quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A Lei e o Drama

O Senhor falou a Moisés, dizendo:
 "Fala a Aarão e a seus filhos de Israel, dizei-lhes:
'O Senhor te abençoe e guarde!
O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti!
O Senhor  volte para ti o seu rosto e te dê a paz!'
Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel e eu os abençoarei"
Nm 6, 22-27

Quando veio o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei,
a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva.
E porque somos filhos, Deus enviou aos corações o Espírito do seu Filho, que clama: "Aba - ó Pai!".
Assim, já não somos escravos, mas filhos; e se somos filhos, somos também herdeiros: 
tudo isso por graça de Deus
Gl 4, 4-7

A clareza de qualquer conceito pode ser apreciada quando se analisa as regras que alguém segue quando usa, de modo competente, esse conceito na linguagem.  Porém, se uma consciência crítica e objetiva logra pleno domínio sobre conceitos que sejam formais, já não é possível esse modo para ideais em seus absolutos materiais - os valores.   Nesses casos, tenta-se determinar o significado da palavra verdade por recurso ao uso dos adjetivos correspondentes que se aplicam a objetos e pessoas.  Se se quiser determinar o que verdade significa, deve-se atentar para o uso do predicado pertinente. Estabelece-se critérios de que alguém se serve para aplicar o termo verdadeiro. Qualquer procedimento de elucidação de um conceito axiológico, nesse caso, vai incluir própria abordagem desse procedimento, inclusive os empíricos: a sua validação.

A validação, por sua vez, consiste de argumentos que visam a legitimação na positividade do predicado sobre o objeto ou pessoa. A argumentação é composta de raciocínios em que são avaliados os cursos de ação seguidos ou a serem seguidos com relação a algum padrão, desejo ou interesse. No Direito, a dificuldade não se dá tanto nas descrições fáticas ou nas prescrições normativas, os quais uma competência crítica de objetividade dá conta.  Nas avaliações  essa dificuldade já se manifesta na própria oscilante relação histórica entre o Direito e a moral, conquanto ambas organizam as ações que interferem nos interesses, desejos e sentimentos uns dos outros.

Na organização dos cursos de ação, pode-se falar de habitats em que estão estruturadas e determinadas as funções estatais e do modo como os agentes públicos imbuídos de realizar essas funções raciocinam ou devem raciocinar.  Uma instituição moral não só organiza um curso de ação da vida individual ou social das pessoas, mas também impacta as ações estatais de modos variados.  As variações têm a ver com os poderes e funções estatais.  Mas, se é possível pôr em xeque uma argumentação jurídica  que determine o uso do predicado justo  ao correlacioná-la a padrões morais, é discutível se a moralidade toma parte da essência do direito.

Como a argumentação jurídica já se dá num contexto de incredulidade em relação às metanarrativas, é interessante a distinção entre o jogo e o drama. No jogo, as partes são evidentemente opostas, mas há uma ordenação aceitável mesmo para o perdedor, porque foi traduzido numa linguagem jurídica compreensível e significativa para as partes.

Ao contrário, em um drama, a argumentação jurídica permanece incompreensível para uma das duas partes, de sorte que a tutela jurisdicional aparecerá como uma violência desnecessária. Uma das partes terá o sentimento de não ter sido entendida e que seu dano permanece irreparável ou que sua atribuição (ou retribuição) precisa ser diferente para ser justa. O Direito se propõe mais em atribuir a cada um o que é seu. Há uma atribuição, restituição ou retribuição, mas que reforçam a própria ordem jurídica em vigor, embora possam ser injustas.  Além desta atribuição, restituição ou retribuição às partes, a justiça aparece na tentativa de retomar o vínculo pessoal perturbado criando as condições para que cada um possa se integrar à normalidade. Nesta teleologia do justo, o objetivo não é mais a simples realização do status quo ante, mas a pacificação social ou harmonização que leva em conta as condições psicológicas e sociais do drama.

É para o drama que as fundamentações valorativas encontram maior relevância para o direito, mas no drama também encontram os seus limites, eis que um raciocínio já é epígono da comunhão e da catarse.   Na comunhão ou excomunhão constitutiva de uma identidade ética, aparece a narrativa como o acontecimento em inflexão para a reflexão axiológica.


foto 1 www.bielefeld-marketing.de  
foto 3 http://www.midiaindependente.org/pt/green/2011/02/485876.shtml

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