sexta-feira, 24 de julho de 2020

Cooperativas e a banalidade do mal







Se você for um cooperativista, taí uma indicação de leitura. Trata-se da experiência da Gleichschaltung (sincronização) das cooperativas alemãs durante o III Reich. Se lembrarmos das leis raciais de Nuremberg, podemos imaginar desde já quais as implicações das cooperativas gleichen sich an (se alinharem).
Trata-se menos de denunciar; mais de compreender.
Sendo você um cooperativista, poderá se perguntar abismado como as cooperativas alemãs à época se permitiram abandonar tantos cooperados seus à própria sorte. Não será surpresa essa resposta à pergunta: Por quê?! - "Acreditávamos". Como acreditar é um verbo transitivo indireto, a pergunta seguinte será: Em quê?! E a resposta quase invariável será: "ou nós, ou eles".
A preciosa lição do cooperativismo alemão na experiência da Gleichschaltung é que não bastam termos bons propósitos e compartilharmos valores de bem comum. Se não desconfiarmos de qualquer crença que seja sintetizada na chave de "ou nós, ou eles" .(tem uma variante dela: se você não for parte da solução, já é parte do problema), estaremos muito provavelmente nos rendendo ao mal e promovendo o pior de nós mesmos.

Eu havia feito uma investigação disso há alguns anos atrás e escrevi um artigo chamado O fim das Cooperativas na madrugada dos mortos. Na época, sendo eu brasileiro e por uma questão de deferência, não quis abordar o tema de maneira explícita sob o viés histórico dos fatos ocorridos. Então tratei da hermenêutica e apresentei no Congresso Continental de Direito Cooperativo que aconteceu em 2013. Os 3 parágrafos iniciais do artigo já dão um panorama de significação desses fatos históricos num contexto atual. 


Ao fim do I Encontro Brasileiro de Pesquisadores do Cooperativismo, realizado em 09 de setembro de 2010, e na conferência magna do II EBPC, ocorrida em 30 de agosto de 2012,Roberto Rodrigues, Ministro da Agricultura entre 2003 e 2006, presidente da centenária Aliança Cooperativa Internacional entre 1997 e 2001 e Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), nos atentou para a singular relevância da ideia de felicidade na compreensão da cooperativa como fenômeno social.
Dou aqui uma resposta a essa provocação. Mas, não uma resposta óbvia. Pois a felicidade em seu sentido teleológico como algo que se busca é uma ideia já bem banalizada. Banalizada, essa busca se revela como insaciedade de vida. E vida, como poder-ser feliz. E poder-ser feliz como recusa ao sofrimento e à morte. A insaciedade já aí se mostra como um mal-estar contemporâneo, um descontentamento que desestabiliza a reciprocidade com que alguém coopera com outro alguém – essa proximidade que é um pressuposto ontológico da própria cooperação. É aqui que há a oportunidade de pensar o paradoxo da felicidade no sentido da eudaimonia – o gênio (uma transcendência) em nossas motivações. Desmedidas a impaciência e a frustração, ele nos é hostil e há o encontro do sentido trágico da existência.
A cooperação aí já é mais uma solução, pois a alteridade, outro pressuposto ontológico da cooperação, tem de funcionar nessa busca. Então, na reflexão racional, a felicidade pode se reduzir a uma função de interesses individuais como grandeza em termos de riscos morais e custos de transação para a cooperativa. É a submissão da cooperação à técnica, pois a cooperativa precisa operar para que os seus sócios causem eficientemente suas felicidades. Entretanto, se a cooperação já não atende expectativas, a sua ruptura e abandono são aceitáveis, pois outra busca e, portanto, novas alternativas se impõem na medida em que a felicidade se diz direito.

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