quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A Igreja Católica Apostólica Romana em contexto do debate público em espaços democráticos



Eu compreendo a lógica entre diversificação proliferante e escalada do efêmero nos espaços democráticos. É uma questão de concorrência por espaços repercussivos de fala para uma pauta de transição cultural. Abre-se a seguinte perspectiva: ou o Papa incorpora a expressão sororidade junto à fraternidade, ou o seu magistério é desviado da sua finalidade contemplativa, escolástica por ter o seu texto derivado para mais um falatório interminável próprio dos espaços democráticos contemporâneos.

A pergunta é esta: À Igreja pode ser aplicada a mesma estratégia que é bem sucedida, quando se trata da indústria de entretenimento? Não por alguém que, de boa fé, se diga fiel da Santa Igreja, ainda que, por convicção políitca, abraçe a bandeira da sororidade.

A questão centra-se na expressão Apostólica que define a Igreja. Entre outras coisas, isso significa que predomina nela o caráter episcopal em relação ao congregacional. Trocando em miúdo, a Igreja nunca foi, não é e nem será um espaço de saturação democrática. Se isso for insuportável para alguém, ainda que seja cristã, há derivações predominantemente congregacionais no cristianismo. Paciência.


Ser católico pressupõe admitir que o mal seja inafastável da história. E que isso tenha uma profunda implicação pessoal: a própria humilhação. Aceitar que a Igreja não esteja inteira sob medida de minhas medidas de causa e justiça é um exercício de humildade. E isso tem uma implicação prática positivada em cânon: mesmo que discorde do magistério eclesiástico em alguma alguma questão opinável, especialmente se se tratar do Papa, eu, como fiel, devo guardar o silêncio obsequioso. Ao invés de me lançar em falatório, devo me recolher em oração e petitório para que o Papa ouça o Espírito Santo. Como diz o Evangelho, que "seja feita a Sua vontade, e não a minha".

Enfim, não estou negando a importância de elevar a condição feminina em sociedade. Mas, admitindo os limites próprios da condição humana, inclusive no que se refira ao debate democrático.



E, não. O Papa não está propondo mudanças de magistério eclesiástico sobre a sexualidade e família. Francisco apresenta uma mudança de enfoque. Parece surpreendente. Não tanto, se lembramos que se trate do primeiro Papa jesuíta da história. Jesuítas são preparados para se lançarem missionários em qualquer cultura; em qualquer linguagem e aí encontrarem modos adequados de comunicar o querigma (anunciamos a morte do Deus de Abraão, Isaac e Jacó e proclamamos a Sua ressurreição; vem Senhor Jesus!). A união conjugal civil é fenômeno cultural. Já para o fiel, o casamento consagrado entre homem e mulher transcende a sexualidade, a generalidade, a cultura, a humanidade.
O sacramento não é só antropológico; é sobretudo teológico. Agora, qual o sentido fenomenológico do matrimônio? O acolhimento hospitalar inquebrantável no cumprimento de uma promessa feita por um homem face a vulnerabilidade de uma mulher em sua condição gestacional de vida e, portanto, de esperança redentora: "a minha vida pela sua e as dos frutos de seu ventre". Pense num filme de apocalipse zumbi e compreenderá o sentido escatológico desta promessa e ela só terá significação transcendente, quando feita entre um homem e uma mulher, ou pelo menos, referenciada nessa relação binária.
Agora, pense na moral (se preferir, na justiça dos homens): o que mais vale em termos de acolhimento hospitalar? (1) o vínculo histórico entre duas pessoas, não importa aqui o gênero, em que uma cuidou da outra, quando esteve aflita, triste ou doente; mantiveram pacificamente uma casa em comunidade; cooperaram em tarefas cotidianas todo dia, muitos dias; e compartilharam o pão (e as contas de supermercado)? (2) o vínculo sanguíneo/biológico entre pessoas que há muito tempo não se falam, não se ajudam, não se interessam umas pelas outras? Nestas opções, na definição de direitos sucessórios, a quem caberia a herança de um falecido? A ênfase moral na transcendência do sacramento justificaria a transmissão patrimonial herdada conforme a hipótese 2? Hoje em dia, resta claro que não. O apontamento em direção à hipótese 1 em nada contraria, por exemplo, a encíclica Deus Caritas Est, escrita pelo Papa Bento XVI e na qual este nosso teólogo maior da virada de milênio ensinou a gradação moral entre o amor que seja Eros e o amor que seja Ágape. Para o Ágape, aponta coerentemente Francisco no contexto contemporâneo da cidadania.

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