Em 2013, Richard Thaler foi
laureado com o prêmio Nobel por sua contribuição ao estudo da economia
comportamental, passando a ombrear com Daniel Kahneman, premiado em 2002 por
sua abordagem pioneira da Economia com foco no comportamento dos agentes
econômicos . Este campo de estudos é
transdisciplinar à psicologia e, entre outras coisas, estuda como a incerteza
influencia decisões dos agentes econômicos. O reconhecimento da
racionalidade limitada foi uma contribuição da economia comportamental para os
custos de transação. Uma das implicações do conceito é a inversão de
tendência pressuposta desde a economia clássica. Adam Smith e seus
colegas liberais pressupunham que a variância do mercado tendia necessariamente
ao equilíbrio. Isso, porque idealizaram o agente econômico como racional
(o que é próprio do imaginário dos Secs. XVIII e XIX), e não dotado de psiquê
com padrões inconscientes (sec. XX). Ou seja, a volatilidade do mercado
não tende necessariamente ao retorno do equilíbrio, mas também à maior
volatilidade, conquanto permaneça da escola clássica o ideal de que seja não só
possível como necessário que a economia volte à normalidade. Que
matematicamente corresponde a uma curva em forma de sino (curva de Gauss). A confluência da psicologia e da
lógica na economia indica o desafio permanente dos economistas: encontrar “novos
normais”. Em termos de gestão de riscos, permanecemos num meio termo
contingente entre duas regressões paradoxais, ambas descritas por matemáticos
do sec. XVII: a de Blaise Pascal (a regressão ao infinito) e a de Jakob
Bernoulli (regressão à média).
A racionalidade limitada dos agentes econômicos (cuja ausência de
invariância lógica em suas decisões frustra a idealizada normalidade racional
da Economia) responde em grande medida para o aparecimento do Direito
Regulatório e pela expansão tanto do Direito Administrativo Sancionador como do
Direito Penal Econômico. Para isso, foi preciso encontrar conceitos
centrais e comuns tanto na linguagem da Economia e como do Direito para
argumentações sistematicamente coerentes. Estes conceitos foram função e risco.
A limitação da racionalidade dos agentes econômicos encontra seu fundo na
incerteza. E esta incerteza se manifesta empiricamente no aparecimento de
externalidades que alterem abruptamente a percepção do risco pelos
agentes. A função do Direito Regulatório é modular estes aparecimentos,
normatizando as novidades para que se tornem compatíveis com a
normalidade. Tanto melhor que as normas se antecipem e sejam
preventivas. De certo modo, o Direito Administrativo Sancionador
condiciona a liberdade dos agentes econômicos para que não importe num grau
insuportável de ambiguidade. Isso pressupõe que os agentes, embora
limitados, ainda sejam racionais. A Economia Comportamental indica que,
em média, os agentes econômicos tendem a uma rejeição maior a perdas (pela
sanção) do que a um apetite por ganhos (pela infração). Mas, como
Gottfried Leibniz (outro matemático do Sec. XVII) ressalvou ao examinar as
demonstrações matemáticas de Bernoulli, “nem sempre”:
A natureza
estabeleceu padrões que dão origem à recorrência dos acontecimentos, mas nem
sempre. Doenças novas assolam a raça
humana; mesmo que se faça muitos experimentos com cadáveres, isso não impõe um
limite à natureza dos eventos que impediria a sua variação futura.
.Este “nem sempre” e sua ilustração patológica são significativos para
compreender a função suplementar do Direito Penal Econômico ao Direito
Administrativo Sancionador em termos corretivos e preventivos. Diante
das evidências empíricas reunidas pelos estudos de economia comportamental, os
agentes econômicos reconheceram em si mesmos uma fonte de incertezas que
demandam medidas públicas protetivas ao positivarem segurança como bem jurídico
da ordem econômica. No limite, admitem
ser sua ação potencialmente criminogênica por disfunção extrema neste âmbito
constitutivo da sociedade de livre mercado.
Não por acaso, Ronald Coase foi agraciado com o premio Nobel em 1991. A sua contribuição para o desenvolvimento da
ciência econômica veio com seus modelos matemáticos que logravam relacionar
racionalidade limitada dos agentes, a assimetria de informação, a incerteza, a
conduta oportunista, especificidade de ativos e o exercício de direitos de
propriedade. Estes modelos inovadores
foram chamados de custos de transação e lograram vincular matematicamente
comportamento e institucionalidade na Economia.
As relações quantitativas entre Direito e Economia agora poderiam ser
observadas a partir de metodologia própria.
Seguindo uma tendência desde 1994 (quando John Nash
e Reinnhard Selten foram premiados), o estudo de comportamentos ótimos, quando
o custo e benefício de cada opção não forem fixos (porque são intrinsecamente
dependentes de decisões simultâneas tomadas por agentes econômicos não
cooperativos) rendeu-se mais um prêmio Nobel em Economia. Desta vez (2020),
foram laureados Paul Milgrom e Robert Wilson pela aplicação da teoria dos jogos
na definição de regras mais adequadas para ofertas públicas (leilões). O
reconhecimento dado remonta o mesmo ano de 1994, quando as contribuições
teóricas de Milgrom e Wilson foram determinantes para o modelo de concorrência
pública norte-americana para exploração da telefonia móvel. Este modelo é
conhecido como leilão ascendente simultâneo. Desde então, estes economistas têm
formatado vários modelos de leilão conforme objetivos e variáveis situacionais.
Em geral, os modelos desenvolvidos buscam facilitar a participação eficiente de
interessados nos leilões, enquanto dificultam que atuem coordenadamente. Os
modelos de Milgrom e Wilson não se prestaram unicamente ao desenvolvimento
técnico da regulação em mercados de monopólio natural (que normalmente serão
transacionadas como concessões públicas), mas também as ofertas públicas de
ações por empresas que abrem seu capital ou ampliam essa abertura considerando
interesses diferentes de stakeholders diversos.
A premiação conferida a esses economistas é um
reconhecimento indireto dos genuínos interesses jurídicos transindividuais a
serem contemplados nos desenhos de oferta pública, pois ilustra a importância
da perícia na criação das suas regras sem as quais resultados não serão tão
satisfatórios como possíveis. De outro lado, este conhecimento malversado
possibilita manipulações veladas para favorecer agentes não cooperativos em
detrimento desses interesses legítimos. Entre a perícia na otimização de
resultados econômicos eficientes e a manipulação sutil desses resultados há
rico material criminológico para estudos de aplicação e adaptação do Direito
Penal Econômico conjugado ao Direito Administrativo Sancionador.
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