“Padres do deserto” é uma expressão que designa um fenômeno histórico com o qual se pode estabelecer analogia ao tempo hodierno pelas sensações de insegurança quanto ao modo de vida conhecido, de incerteza sobre o porvir e de crise cultural em tensão com as de estabilidade, de continuidade e de coesão social. Outrossim, deram eles expressividade a essas sensações convulsivas através de um estilo: a apotegmata (breves narrativas em que lhes dá sentido um comentário atribuído a um padre do deserto).
A
morte, claro, é um tema recorrente nos apotegmas. Ela é recorrente também hoje, mas
sintomaticamente oblíqua através dos predicados saudável (perspectiva individual) e sustentável (perspectiva social).
Digo oblíqua, porque hoje abordamos normalmente a morte como algo a ser
prevenido e corrigido. Estamos “em luta contra” a morte; médicos “perdem” seus
pacientes assim. Então, como é evidente para
unidades complexas de carbono e hidrogenação catalítica, formamos um exército
sitiado pela morte. E que já sabe: todos
nós perderemos a vida nesta batalha, mas mesmo assim devemos resistir. Pelo quê?!
A felicidade ainda a ser buscada, mas que, neste estado de sítio, nos
escapa.
Desprovidos
de pensamento crítico, não há enfrentamento do tema: os apotegmas dissociam da
morbidez sua alusão direta à morte. O
que isso pode dizer sobre o compliance? A morbidez como sintoma estilístico do
enfrentamento temático contemporâneo tende a retratar a morte como um algo
voraz, disfuncional e implacável. A
morte assim retratada é liberdade despersonificada. Trata-se de uma projeção da performance vazia
de significado. Como resposta, a vida humana
autonômica, típica concepção humanista, corresponde a uma liberdade
performática contida pela normatividade.
As
sociedades democráticas de mercado se lançaram à aceleração das inovações
tecnológicas. Numa abordagem patológica,
um dos sintomas mais evidentes da febre performático-produtiva que lhes é
rebento. E com isso trouxeram consigo um perigo que hoje lhes testa a
resiliência: a normatividade
inflacionária de marcos regulatórios da qual o compliance é colateral. Quanto mais o sujeito de direito for livre de
qualquer heteronomia, maior o volume de normas positivadas que regulam essa
liberdade. Eis o paradoxo da liberdade
coercitiva em expansão.
Não
se trata de negar o caráter incontornável das práticas de compliance na ordem econômica.
Mas, tampouco é incontornável a necessidade de uma compreensão
patológica de qualquer funcionalidade.
Por exemplo, a patologia numa pandemia só se completa com a análise
funcional dos processos bioquímicos do seu vírus patogênico.
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