Um romance. Era o que havia em minha frente. Descobrira-me leitor. Melhor dizer, fora descoberto. Já que o autor da ficção me pediu uma leitura antes de terminá-la.
Ler um livro cujo autor lhe é próximo como uma encarnação visceral, que almoça contigo, lhe fala um pouco de tudo e ri com você é uma experiência emocionante. Diz tanto dele que só pode ter sido escrito para mim.
Em nenhuma leitura tive tão nítida essa sensação de entrada num texto - uma necessidade hermenêutica sem a qual não sou um leitor na plenitude da expressão. Pois ler um livro não é apenas ler seus parágrafos, mas ouvir a eloquência de seus silêncios.
Meu amigo havia seguido uma indicação minha e está cursando sobre Heidegger com o Gilvan Vogel. Peguei o livro e as páginas começam a me dizer um texto muito diferente das minhas expectativas. Um romance sem personagens: eram partes de um projeto discursivo.
Senti-me traído. Incomodado, mas ainda com boa vontade, insisti. Vivenciar a abertura afetiva à alteridade: gostar de gostar. Intrigado por uma passagem do livro, na qual aparece Machado de Assis magistral, como, embatuquei eu durante dois dias inteiros, o protagonista pode ser tamanha negação de Machado, já que ele é planície? E então eis que me veio o sopro: Ele tem a profundidade de um espelho!
Mais duas madrugadas mal dormidas e o livro estava todinho lido. Como nunca tinha lido um romance. Sabia dele. Estava pronto para ajudar meu amigo a terminá-lo.
Não entrei no texto enquanto impus um contexto. Esperava e queria um quadro a óleo como um fim em si mesmo. Mas, o livro abriu-se para mim, quando me abandonei por ele: descobri uma série de aquarelas para colorir e e emoldurar o discurso que meu amigo expressa em seu texto.
O aí, antes mesmo de dizer o ser, já justificou; pois vem a ser lugar de comunhão.
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