segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Macaco que se sabe macaco é alguém?

  


Os debates acalorados sobre bioética nos últimos dias me deram vontade de rever Planeta dos Macacos: a Origem (2011).

Intrigou-me atentar que alguns dos mais ardorosos defensores de argumentos contra testes em animais antes se solidarizaram com os que tinham pressa nos avanços que a indústria prometera durante o mais célebre julgamento do STF envolvendo bioética, que ocorreu em 2008, com o qual restou liberado o uso de embriões humanos (células-tronco embrionárias) em pesquisas. E desqualificavam como obscuros os argumentos contrários.


O filme não privilegia a violência catártica com um recheio generoso de seqüências de ação.  Em grande medida, é um drama psicológico: o argumento é a descoberta de si mesmo por um macaco.

À guisa de recurso narrativo, o argumento se apropria do “ainda não” que diz promissores, mas ainda inconclusivos, os avanços tecnológicos no âmbito das neurociências e da biomedicina: o desenvolvimento de uma vacina para o mal de Parkinson.  No roteiro, chimpanzés são utilizados nos experimentos com um vírus geneticamente modificado. Temos aí os ingredientes para a revolta dos macacos.

O argumento parte então da questão do corpo como limiar entre pessoa e mundo.  O corpo evidencia que nada nos separa do mundo, mas paradoxalmente entre pessoa e mundo há um abismo: animais são mundo, mas só pessoas não se confundem com o mundo - pessoas têm potência para se perceberem destacadas do mundo e isso acontece ao atribuírem um sentido textual para si mesmas, para outrem e para as coisas além da pura e simples vivência: a sobrevivência ou sucumbência (sentido de transitoriedade): conhecer, lembrar e imaginar como saber.   A resposta mais tradicional para essa questão existencial adota por pressuposta a transcendência expressa na decomposição de si e do mundo entre corpo e espírito.  Ainda que a leitura seja a busca de uma misteriosa ou silenciosa unidade perdida.

O roteiro do filme até que ia bem: “não confie em chimpanzés”.  A fala da mocinha, uma zoóloga, indicava a questão fundamental que prometia ser explorada.  Um chimpanzé transgênico apresentava uma inteligência que superava até mesmo a dos humanos.  Inteligência aí revelada por tomada de decisões estratégicas, táticas e operacionais logicamente adequadas a cada situação (mundo) que se lhe apresentavam.  Mas, humanidade transcende a inteligência.  Isso foi insinuado pela incapacidade desse chimpanzé em compreender interdições éticas.  Isso aconteceu ao lidar com um vizinho brigão: foi incapaz de compreender que foi expulso do paraíso. Ao não conter seu próprio impulso violento, morder o vizinho e ser por isso retirado de seu habitat.

Desce o pano.  Você pode estar sorrindo agora: "Ah, e dá para confiar em humanos? Fala sério!".  


  Então, tá.  Levei 3 crianças de 10 anos para ver Thor - Mundo Sombrio ontem.  Bom, para um deus mitológico, Thor, no filme, tem a profundidade de um bidê.  Mas bons roteiristas têm os seus caprichos.  Thor cumpria uma função de folhetim. 



Toda mitologia estava concentrada em seu irmão, Loki.  E as crianças saíram para a rua gritando: "Loki, Loki, Loki!"  Intuitivamente elas captaram um sentido de ser viking:  Loki, e não Thor, no filme, merecia ascender ao trono de Odin. 

Dei uma volta, não é? É.  Mas, não me perdi.  Em casa, assisti outro filme:  O martelo dos deuses.   Este retrata a sucessão heroica de um rei viking numa ilha britânica do Séc. IX em uma dinastia decadente por carência de guerreiros.  Mesmo assim, guerreiros vikings, de tão violentos, matam entre si, enquanto os saxões cristianizados, que os cercam, são numerosos, mas são desprezados como "aqueles agricultores". 

Disso diz o mito de Asgaard. E hoje a coroa inglesa,  noves fora, com sua notável estabilidade institucional e convívio persistente com a democracia, vem da tradição anglo-saxã e normanda. E não da viking.

Sobe o pano no Planeta dos Macacos. 

O enredo infelizmente seguiu pelo terreno pantanoso do politicamente correto.   O foco passou a ser a ganância da indústria farmacêutica e a crueldade com os animais.  Aí, o roteiro comete uma idiotice.  Numa contradição evidente no próprio argumento, o tal macaco consegue  estabelecer relações éticas com outros macacos do abrigo para animais em que é posto. É como se, de repente, a ética passasse a ser uma manifestação natural acessada e dominada pelo intelecto, tal como é a lei da gravidade.

Aí, o filme se torna um pastiche, uma comédia involuntária.  Os macacos se descobrem encarcerados e oprimidos. E estabelecem “naturalmente” um código moral típico entre presidiários. E o chimpanzé que ficou inteligente com o tal vírus furta e espalha mais dele. É uma paródia de preso político que conscientiza com ideologia censurada outros presos, antes “comuns”.  A consciência coletiva evolui na organização do PCC: Primatas no Comando da Capital.  Subversão como patologia é isso aí.


Então, acontece a batalha. A figuração é: macacos oprimidos contra as forças repressoras a serviço do cartel da indústria farmacêutica.  A batalha é o salve geral.




Moral da estória:  A ética é sobrenatural.  Até o mais tacanho ambientalista sabe disso.  Quando um surfista tem a perna estraçalhada por um tubarão, a responsabilidade subiu a prancha, pois só pode ser alguém quem criou a situação do ataque.  O que o tacanho não alcança é o que isso diz da liberdade e do sofrimento.  Não é o tubarão livre por ser um navegador errático pelos oceanos.  Nem sofre por ser implacavelmente pescado, porque sua barbatana tem valor de mercado.  Humanidade é liberdade e sofrimento. Na cocriação de mundo como lugar de comunhão, humanidade é resposta que o ser convoca na ontologia e justiça a que ele é convocado na ética.  Animalidade diz do mundo, não cocria mundo.

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