terça-feira, 6 de agosto de 2013

O Hércules e a Lei 12.690/2012.




Os casos difíceis convocam Hércules como juiz, escreveu Ronald Dworkin, um professor norte-americano de filosofia e direito muito conhecido. Pois, para as cooperativas de trabalho, esse Hércules foi o Min. Ives. Mas ele não foi só corajoso.  Ele foi também amoroso. E, na aurora da Lei 12.690/2012, ele me fez lembrar outro mito: Antígona. 

As sutilezas dialéticas não encontravam eco entre operadores do direito cooperativo e do direito trabalhista, tal como restou insolúvel o trágico antagonismo entre Antígona, demasiado orgulhosa, e Creonte, cruel ao levar suas razões e seus medos às últimas consequências.  Antígona e Creonte nunca conseguirão se entender sobre a hierarquia dos direitos aplicáveis ao caso em que se confrontam. 

Recordemo-nos.  Creonte ascende ao trono de Tebas após uma luta fraticida entre Eteócles e Polinice, seus sobrinhos.  Ambos já estão marcados por uma questão originária: a maldição lançada por Pélope sobre a dinastia Labdácida e consumada no parricídio de Édipo.  Creonte (irmão de Jocasta) é movido pelo desejo de restabelecer a autoridade pública numa cidade afetada pela sucessão dos terríveis acontecimentos em torno de seu trono. Após a sangrenta guerra civil, ele condena Polinice post mortem  por traição e decreta (kérugma) a mais afrontosa interdição: ele não deve ser enterrado.  Contra essa afronta, se insurge Antígona, irmã dos falecidos.  Ela evoca a tradição (agrapta nomima) em igualmente afrontosa desobediência.  O desfecho?  Antígona é enterrada viva.    O filho de Creonte, noivo e apaixonado por Antígona, por desgosto se mata.  A morte de Hêmon leva Eurídice, sua mãe e esposa de Creonte, ao suicídio.  Creonte e Antigona fazem valer suas respectivas certezas ao preço do aniquilamento da fertilidade.  Fenece a linhagem de Cadmo, fundador mítico de Tebas e avô de Lábdacos.

Ambos, Creonte e Antígona, afirmam suas convicções, que se bastam a si mesmas.  A questão fundamental na tragédia é a indeterminação da justiça.  O direito se ressente da impetuosidade, na incontinência que abala a segurança erigida por seus institutos.  Mas não pode prescindir da altivez, como uma de suas fontes imaginárias fundadoras: a historicidade no direito dá-se pela insistente tensão entre a consciência pessoal e a razão de Estado, sendo que ambos se legitimam por um senso de justiça, que nem sempre encontrará um modo de sobrepô-los sem desfechos trágicos.

Se, na democracia, o justo não pode se submeter à exatidão, a perplexidade suscitada pelo trágico indaga:  como ordenar os atos livres para que haja justiça, na medida em que, paradoxalmente, o direito é contenção?  O marginal precisa ser avaliado pela perspectiva da norma, tanto quanto o normal precisa ser reavaliado com a nova perspectiva aberta pela marginalização.  Não é somente o normal que determina a norma, pois o marginal insinua o que precisa ser, de novo, normatizado.


Pois, os cooperativistas do ramo trabalho, por tanto tempo marginalizados, só abriram uma perspectiva nova para a Lei, quando admitiram que Lei é o que  dá garantias fundamentais de um trabalho digno.  Encontramos o futuro que Antígona e Creonte perderam.

Um comentário:

  1. Gostei muito do artigo!Achei interessante o paralelo entre a realidade das cooperativas e o Caso de Antígona e Creonte!
    Um abraço, Igor Gonçalves

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