Os
casos difíceis convocam Hércules como juiz, escreveu Ronald Dworkin, um
professor norte-americano de filosofia e direito muito conhecido. Pois, para as
cooperativas de trabalho, esse Hércules foi o Min. Ives. Mas ele não foi só
corajoso. Ele foi também amoroso. E, na
aurora da Lei 12.690/2012, ele me fez lembrar outro mito: Antígona.
As
sutilezas dialéticas não encontravam eco entre operadores do direito
cooperativo e do direito trabalhista, tal como restou insolúvel o trágico
antagonismo entre Antígona, demasiado orgulhosa, e Creonte, cruel ao levar suas
razões e seus medos às últimas consequências.
Antígona e Creonte nunca conseguirão se entender sobre a hierarquia dos
direitos aplicáveis ao caso em que se confrontam.
Recordemo-nos.
Creonte ascende ao trono de Tebas após uma luta fraticida entre Eteócles
e Polinice, seus sobrinhos. Ambos já
estão marcados por uma questão originária: a maldição lançada por Pélope sobre
a dinastia Labdácida e consumada no parricídio de Édipo. Creonte (irmão de Jocasta) é movido pelo
desejo de restabelecer a autoridade pública numa cidade afetada pela sucessão
dos terríveis acontecimentos em torno de seu trono. Após a sangrenta guerra
civil, ele condena Polinice post mortem por traição e decreta (kérugma) a mais afrontosa interdição: ele não deve ser
enterrado. Contra essa afronta, se
insurge Antígona, irmã dos falecidos.
Ela evoca a tradição (agrapta
nomima) em igualmente afrontosa desobediência. O desfecho?
Antígona é enterrada viva. O
filho de Creonte, noivo e apaixonado por Antígona, por desgosto se mata. A morte de Hêmon leva Eurídice, sua mãe e
esposa de Creonte, ao suicídio. Creonte
e Antigona fazem valer suas respectivas certezas ao preço do aniquilamento da
fertilidade. Fenece a linhagem de Cadmo,
fundador mítico de Tebas e avô de Lábdacos.
Ambos,
Creonte e Antígona, afirmam suas convicções, que se bastam a si mesmas. A questão fundamental na tragédia é a
indeterminação da justiça. O direito se
ressente da impetuosidade, na incontinência que abala a segurança erigida por
seus institutos. Mas não pode prescindir
da altivez, como uma de suas fontes imaginárias fundadoras: a historicidade no
direito dá-se pela insistente tensão entre a consciência pessoal e a razão de
Estado, sendo que ambos se legitimam por um senso de justiça, que nem sempre
encontrará um modo de sobrepô-los sem desfechos trágicos.
Se,
na democracia, o justo não pode se submeter à exatidão, a perplexidade
suscitada pelo trágico indaga: como ordenar
os atos livres para que haja justiça, na medida em que, paradoxalmente, o
direito é contenção? O marginal precisa
ser avaliado pela perspectiva da norma, tanto quanto o normal precisa ser reavaliado
com a nova perspectiva aberta pela marginalização. Não é somente o normal que determina a norma,
pois o marginal insinua o que precisa ser, de novo, normatizado.
Pois,
os cooperativistas do ramo trabalho, por tanto tempo marginalizados, só abriram
uma perspectiva nova para a Lei, quando admitiram que Lei é o que dá garantias fundamentais de um trabalho
digno. Encontramos o futuro que Antígona
e Creonte perderam.
Gostei muito do artigo!Achei interessante o paralelo entre a realidade das cooperativas e o Caso de Antígona e Creonte!
ResponderExcluirUm abraço, Igor Gonçalves