segunda-feira, 12 de agosto de 2013

OS MÉDICOS NO CADE


Devido Processo Regulatório no CADE – a Nova Lei de Defesa da Concorrência em Debate foi um evento que aconteceu dia 2 de agosto de 2013 na sede da Fecomércio.  Fui convidado para o painel Defesa da Concorrência e Poder Judiciário.  Apresentei O Cálculo e o Rosto.  Transcrevo uma parte.


Há colusões que não envolvem acordos para fixar preços, nem para controlar a produção, dividir mercados ou impor barreiras de entrada. Mas atenuam as rivalidades entre os integrantes do grupo.

Será tormentoso para a magistratura, se o CADE acusar milhares de médicos de adquirirem por pelas suas entidades (CFM, AMB, FENAM e cooperativas de especialidades médicas) um poder artificial de mercado,  enquanto que, em sua defesa, eles reivindicam para si algum poder compensatório diante das operadoras de planos de saúde e o SUS.

O que é justo não desintegra comunidades.  E a comunhão sempre nos remete ao ser humano, que é alguém anterior à distinção entre sujeito e objeto.

No idealismo, consciência é o eu que observa, pensa e é capaz de um sobrevôo sobre a realidade.  Mas, esse sobrevôo é antes uma realização do real.  Esse sobrevôo é a razão.  Mas, a materialidade da percepção lança desconfiança à toda cognição que se pretenda totalização do real.


No entanto, a utrapassagem do subjetivismo no Direito não se traduz em realismo, numa pretensa decomposição da realidade em elementos capazes de uma plena determinação das idéias por estímulos exteriores traduzíveis em linguagem matemática ou redutíveis a qualidades primárias.  A experiência empírica vai ao encontro da razão, mas não o aprisiona.

O Direito se volta às descobertas ligadas às noções de justiça emergentes de um comportamento que seja percebido como justo.  A relação entre percepção e comportamento é instrínseca e circular.  E a experiência inclui uma atitude filosófica que ultrapassa a justiça como uma idéia da ordem cultural e alcança o momento de originalidade de uma vivência sua; momento este em que se relacionam o possível e o ausente.  A experiência, neste sentido, é ambígua:  tanto uma falta, um vazio que faz necessária uma presença, como um excesso que demanda nova expressão sobre um mundo que já foi expresso.

A relação entre mundo e existência é expressão de um modo coletivo e estrutural de pensar e sentir, mas nem por isso deixa de ser radicalmente pessoal na irredutível singularidade da experiência vivida.

Na defesa da concorrência, o pensamento serve para alguma coisa.  A verdade se valida pelos resultados de sua afirmação.  Não há mistério.  Só há desconhecimento.  O Direito, se não utilizado, resta como uma verborragia bizantina.  O Direito, então, não visa tanto a desocultação da justiça, mas um fazer para certos fenômenos gerais:  a base para a decisão de um juiz deve ser a relação custo-benefício.

Mas, a mensuração quantitativa dos fatos econômicos não aprisiona os sentidos da cooperação e da rivalidade.  O justo convoca uma percepção da cooperação e da rivalidade para além dos estreitos limites pragmáticos do cálculo utilitário. 

Uma análise dos custos de transação é uma descrição do mundo, mas também é uma representação dele como um mosaico de elementos conceituais pelos quais a ciência se pretende soberana sobre seu objeto, por construí-lo matematizado, e, ao fazê-lo, submetido ao seu próprio ideal de medida. 

Entretanto, o apelo atraente a um fazer pragmático não dissolve os limites de um projeto de posse do mundo pelas representações construídas pelo sujeito.  Ao contário, coloca tal ideal de medida fora de questão.  Ou seja, priva-o dos meios intuitivos pelos quais se pode pôr em questão o arranjo conceitual mesmo de sua experiência.

Claro que a tarefa prescritiva no Direito pode seguir apoiada em trabalhos científicos que instrumentalizem estes significados com que o pensamento  constrói pontes entre os princípios constitucionais e os valores como fins da Constituição.

Mas, se o Direito pode contar com as contribuições da Economia na construção de standarts com a redução de toda experiência possível à observação, precisa também admitir que a experiência pode  se apresentar também como iniciação.

É possível formular uma teoria sobre a justiça que admita a pluralidade normativa para além das contingências históricas.  É o que fez, por exemplo, John Rawls. Ele propôs às pessoas uma condição não histórica, anterior a seus contextos.  Essa posição original está sob o véu da ignorância.

Por esse véu, o que é já está entregue a si mesmo.  O mistério é o ponto de partida para a articulação entre a liberdade e a moral.  E só então há o alcance da existência histórica  e política.

As pessoas possuem diferentes valores e formulam diferentes projetos para a realização do bem comum. Às vezes, esses projetos versam sobre o mesmo objeto e realidade e, mesmo assim, são heteronômicos.  Isso é particularmente relevante para os atores econômicos que cooperam entre si, mas estão longe de ignorar o que é exigível para a defesa da concorrência.  Um julgador então precisa admitir uma pluralidade de concepções da legitimidade.  Na medida em que essa diversidade seja admitida na defesa da concorrência, então o sacrifício da cooperação pode não ser justa.




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