terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Cooperativas no contexto oligopolístico


Aparentemente é muito fácil distinguir uma cooperativa de um cartel.  Na maioria dos casos, de fato, é possível uma distinção de plano.  Porém, existem situações em que a dificuldade aparece.  E quando ela aparece, pode ser tormentosa para o Direito Penal Econômico, se o cartel for classificado como um tipo de perigo abstrato.  Porque, em contextos oligopolísticos específicos, ou seja, quando entes econômicos em linha horizontal se apoderam de variáveis concorrenciais relevantes através da organização de uma cooperativa, o princípio das portas abertas pode produzir nela as mesmas características abstratas de um cartel.  O problema teórico é apresentado pelo método de caso, recorrendo-se às cooperativas de anestesiologistas que foram submetidas à apreciação da autoridade antitruste brasileira.  Esses casos colocaram em xeque o conceito abstrato em formulação ex ante, em favor da permanência de uma abordagem ex post, de modo que a incriminação só possa ser legitimada quando, de fato, a conduta for manifestamente lesiva, o que recupera a culpabilidade para o problema.

Para baixar o artigo apresentado no IV Encontro Brasileiro de Pesquisadores em cooperativismo, acesse:  

http://www.febracan.com.br/DownloadSite/index

terça-feira, 1 de agosto de 2017

segunda-feira, 29 de maio de 2017

VI Caminhada com Maria rumo ao Redentor


O centenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima nos convida a pensarmos no perigo com que homens, mulheres (e transgêneros) com ou sem religião alguma conduzem a si mesmos, quando suspensos segurando-se pelos cabelos sobre um abismo.  

Por que, naquele contexto, justo a três crianças pequeninas que brincavam esquecidas de si mesmas num canto sem qualquer importância estratégica da Europa, Nossa Senhora irá inspirar tanta comoção, sacrifícios e penitência?

No impasse corrosivo e inteligente da morte industrial na guerra de trincheiras; das engrenagens e maquinação de ressentimentos que já moem e moeriam muito mais a Europa logo adiante  numa guerra mais impiedosa e das quais ainda não conseguimos evitar de todo, quiçá foi para nos lembrar mesmo hoje que, na posse de certezas a que atribuímos razões políticas de justiça e ajuste de contas, não se trata  tanto de nos acusarmos mutuamente de responsabilidades num impasse sem fim, mas que a condição humana é simplesmente trágica e, por si mesma, absurda.  

Sim, talvez tenha sido para nos lembrar que a tragédia é nosso destino absurdo do qual corações compassivos, e não os orgulhosos, podem gratuitamente nos livrar.


sexta-feira, 28 de abril de 2017

Igreja e escravidão 2: ambiguidade numa cidade que se partiu

Ainda sobre a Igreja de São Francisco de Paula, onde, vez ou outra, assisto missa depois de dois dedos de prosa com o Pe. Martini. Quem ornou à talha o seu altar-mor foi ninguém menos que Mestre Valentim.  Que, aliás, era (com pedido de perdão no emprego de uma expressão que hoje alguns se crispam ao lerem) mulato.  Mas dele, embora venha ao caso, não quero falar.

Quero lembrar de outro artista.  Aquele que pintou lá os painéis da capela do noviciado, dedicada à Nossa Senhora da Vitória.  Manoel da Cunha.  Este nasceu escravo. "Pertenceu" à família de um padre depois prestigiado no primeiro reinado, o Cônego Januário Barbosa.

Essa família primeiro levou-o a estudar aqui no Rio com um artista estabelecido, o João de Sousa. E depois o mandaram à Lisboa para completar seus estudos.  Isso, por devoção. Para que ele pudesse melhor se dedicar à arte sacra.  



Mas, foi preciso que um comerciante admirador seu, José Dias da Cruz, lhe financiasse a alforria.  Nosso artista abriu um ateliê, se tornou um requisitado retratista da sociedade carioca à época e fez escola ensinando sua arte.  Em 1809, foi enterrado com exéquias na Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte pela qual praticamente todo carioca já passou à porta, ali na esquina da Rosário com Rio Branco.  





quarta-feira, 26 de abril de 2017

Igreja e escravidão: ambiguidade numa cidade que se partiu

Não diz tudo.  Mas diz sim alguma coisa.  Até hoje, o sino "Aragão" repousa no alto da velha Igreja de São Francisco de Paula.  Ele é o terceiro duma trinca que forma com o "Grande" e o "Vitória".

Hoje esquecidos dos cariocas, esses sinos já fizeram parte da crônica desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.  Quando o Vitória troava, um incêndio se sabia por todos.  E, contando suas badaladas, os moradores se inteiravam aonde a cidade ardia.
Mas, no dia-a-dia, era o som do Aragão que ditava.  Ideia do Desembargador Teixeira de Aragão, que impôs um toque de recolher na capital do Império e o maior porto negreiro das Americas.  Literalmente.  Depois que o Aragão badalava à noite, qualquer um na rua podia ser abordado pelos milicianos.  Mas, aos negros, o Aragão presumia vadiagem: uma noite no calabouço, quase na certa. E  quiçá porrada, na entrada. Chibatada, na saída.

Ao saberem o que acontecia a escravos, quando começaram a ouvir o Aragão toda noite, as reclusas no convento das Carmelitas tomaram uma liberdade.  Um dos sinos da Igreja de Santa Teresa passou a repicar uns 20 minutos antes do Aragão.  Era para que ninguém fosse pego desprevenido, quando a milícia recebia licença para catar pretos pelas ruas da cidade. 


quarta-feira, 22 de março de 2017

Ética, mas que diabos?!


O ethos  é caráter, costume e moradia.  É um modo de ser de alguém como o abrigo da sua humanidade em si, com que toca, afeta outrem (pathos) na conjugação do verbo (logos). O  ethos se refere à atitude do emissor que dá consistência ao seu modo de ser, o que é necessário à empatia por quem o avalia.  Ainda que imprescindível, uma adequação formal/causal de meios à sua realização de um fim feliz não esgota a ética.   Senão na realidade do nós.  Pois, as linguagens são as moradas do ser, elas tornam mundo um comum-pertencer: é linguagem a mesmidade entre pensar e ser.  

O insidioso na insistência do eu consciente como ponto de partida da ética é que a empatia perde vigor, e o bem comum tende a se fragmentar ou se diluir em polissemias, quando só aparece, se conhecido por mim mesmo e outros quase-eu (autonomias legisladoras), porque soçobra ao sabor de identidades e identificações transitórias.  Qualquer integridade convoca o si-mesmo como outro e os totalmente outros para uma presença deontológica. 

Então, em qualquer cooperativa, a ética se destaca do horizonte de indistinção (num sentido de emergência para a consciência) na feição de um dilema visível em suas realizações na ordem econômica:  como  expor os princípios de identidade cooperativa e promover fidelidade a eles em meio às manobras pelos consensos e às pressões por resultados?  As respostas são irredutíveis à cognição sem um recurso a pré-conceitos.  Nalgum paradigma ou alguma principiologia ou teleologia.  Ainda que para falar em mudanças de princípios ou fins.  Isso acontece, porque não percebemos ordinariamente (e empatia é um fenômeno de percepção), senão tendendo a alguma totalização, algum sentido que dê conta.  E isso acontece inclusive na comunicação. 


Mas, é possível uma percepção como abertura.   Uma excepcional sensação de vertigem; um salto a nenhures num mundo que mostrou, num vislumbre, algum excesso que nos convoca à busca de uma expressão; que se nos ressignifica ao dar-nos  uma sensação de descentração do eu (esquecimento de si mesmo) entre a mesmidade e a ipseidade.

Quando me detenho no questionamento “quem sou eu”,  positivo o que é meu numa informação:  corpo, percepção, consciência, intenções, experiências, desejos, sentimentos, escolhas, projetos, patrimônio, psique, espírito, alma, tradição, código de DNA, sexo, liberdade, história, trajetória, biografia, auto estima...    Mas também negativo na diferença entre o “meu” e o “eu” que me identifica como uma referência de perspectiva  por entre signos da linguagem e que aparece originariamente numa especial sensação de tempo, mas que vai encontrar num texto a possibilidade de um si-mesmo como outro, pois nessa vivência originária já serei outro, ainda que sendo eu mesmo. Aqui intuímos uma ipseidade que nos expõe como coautores e intérpretes de nós mesmos.  Trata-se de uma identidade radical com o totalmente outro, em diferença a um si-mesmo reflexivo pelo que já temos identificado e que se projeta nalguém como diferença e o apropria por categorizações de linguagem.  Aqui se articula em particular qualquer enredo sobre liberdade e o bem comum: o que realizamos com o real, conquanto a realidade seja sempre uma realização do real.

Sintagma é um elemento lingüístico que estrutura a sintaxe e a semântica (possiblidade de sentidos).  Sintaxe é a articulação lógica das palavras num discurso.  O imaginário materializa os significados dessa articulação lógica dos significantes num fechamento (totalização) de mundo para que apareça um discurso sobre ele.  A sintaxe é na relação com o sintagma o que torna inteligível a unidade imaginária de um texto.  A ordem sintagmática, no entanto, admite a refiguração imaginária de todos os componentes suscetíveis de configurarem uma semântica da ação prática num quadro paradigmático.  Essa passagem do paradigmático ao sintagmático é a atividade de configuração e a refiguração admite uma passagem do sintagmático a outro paradigma.   Esse ato configurante consiste em considerar o desenrolar da história numa intriga literária; dessa diversidade de acontecimentos, se perceber uma unidade temporal como retenção pelo tecido do enredo.  Há aí então um fechamento em uma (meta)narrativa, mas esse enredamento do outro numa relação já deu conta desse acontecimento originário da ipseidade.  Revelação, por exemplo, na linguagem salvífica entre a kairós, a kenosis e kerissein; imprescindíveis à vivência da integridade plena e possível (ainda que misteriosa) do bom, belo e verdadeiro:  todo mostrar-se é um acontecimento em seu próprio tempo e linguagem;  o tempo todo e em qualquer linguagem, só se mostra, quando também se esconde. Revelador é o trânsito de mostrar-se e esconder-se: uma revelação é necessariamente relacional, comunitária, cooperativa e dialogal.

Em 1908, Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) teve publicado seu livro Ortodoxia.  Há nesse livro um capítulo intitulado Ética da Terra dos Elfos, de onde foi extraído um fundamento para a saga da Sociedade do Anel, escrito por seu amigo John R. R. Tolkien.  Trata-se da felicidade condicional.  A prática do bem se mostra diante de uma condição.  Mesmo numa narrativa marcadamente fantasiosa, mostrar-se-á uma ética, quando uma dádiva ou um poder apoiarem-se num veto.  A felicidade depende do reconhecimento de limitações, mesmo quando não identificamos uma razão ou um motivo para elas.  Há bondade na liberdade que encontra manifestação num sentido material de sustentabilidade.  Faço o que quero, porque posso. Mas atento para a existência de interdições para o meu poder-querer, sem o quê aciono inexoravelmente uma chave trágica da existência.  Um fim feliz está sempre sustentado por alguma contenção de si, senão há uma reversão axiológica (hybris) a emergir um sentido trágico das condições primordiais da condição humana: destinação e finitude (métron). 

O reconhecimento da relação polar  entre essas condições primordiais e a sublimação/temperança (eudaimonia) na constituição do ser humano não necessariamente passa pela função ou motivação ou por alguma razão a ser descoberta, mas pela percepção originária da ipseidade diante de uma conformidade que dá a oportunidade para todos vivenciarem uma empatia fundamental entre o ethos, o pathos e o logos.    Vivência esta que faz aparecer o bem comum compartilhado no pertencimento à polis.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O Primeiro Homem

Aos professores de meu filho, ofereço um pequeno trecho da obra de Camus.  Nestes tempos em que a Mme. de Beauvoir é vulgata no CPII, Camus é um bom convite à leitura.  Afinal, foi em Camus que Sartre se inspirou para conceituar engajamento.  Porque Camus foi resistente ativo (e sobreviveu) à ocupação nazista da França com uma ousadia que nem mesmo Sartre se atrevia a tanto.  Mesmo assim, Camus, um pied noir, recusou seu alinhamento com a Frente de Libertação Nacional. 


Não, não vou citar O homem revoltado, nem o mito de Sísifo.  Nem A peste, nem O estrangeiro.  Quando ele foi agraciado com o premio Nobel de literatura, ele escreveu uma carta de afetuoso reconhecimento ao seu professor do ensino fundamental.  Citarei O primeiro homem, o romance memorialista de sua Argelia, na qual Camus se traiu em vários trechos trocando o nome dum personagem, um professor, com o nome de seu professor.

O que pretendo com essa citação? Pedir-lhes que não mimem meu filho, enchendo-o de autocomplacência contrabandeada em discursos sobre democracia e luta em defesa de si mesmo, mesmo que escudado eticamente nalguma identidade coletiva.  Peço-lhes que me ajudem a torná-lo um homem, primeiro.

 (....) o ano passava a ser apenas uma sucessão de despertares apressados e dias mornos e precipitados.  O que havia de régio em sua vida de pobre, as riquezas insubstituíveis que desfrutava tão largamente, tão gulosamente, ele precisava perder para ganhar um pouco de dinheiro que não compraria a milionésima parte desses tesouros.  E no entanto compreendia que isso era necessário, e até mesmo uma coisa dentro dele, no momento de sua maior revolta, fazia com que sentisse orgulho por tê-lo feito.  Pois a única compensação desses verões sacrificados à miséria da mentira ele encontrara no dia de seu primeiro pagamento, quando, ao entrar na sala de jantar em que se encontravam a avó, descascando batatas que depois jogava num tacho com água, o tio Ernest que, sentado, catava as pulgas do paciente Brillant preso entre suas pernas, e a mãe, que acabara de chegar e desfazia num canto do aparador uma pequena trouxa de roupa suja que lhe tinham dado para lavar, Jacques se adiantara e colocara  sobre a mesa, sem dizer nada, a nota de cem francos e as grandes moedas que segurara na mão durante todo o trajeto.  Sem dizer nada, a avó empurrara uma moeda de vinte francos em sua direção e recolhera o resto.  Com a mão, ela tocara Catherine Cormery para chamar sua atenção e mostrar-lhe o dinheiro:
- Foi teu filho.
- Sim - disse ela, e seus olhos tristes acariciaram o menino por um segundo.  O tio balançava a cabeça, segurando Brillant, que pensava que seu suplício havia terminando.
- Bom, bom - dizia ele.  - Você, um homem.
Sim, ele era um homem, pagava um pouco do que devia, e a ideia de ter diminuído um pouco a miséria dessa casa enchia-o desse orgulho quase mau que os homens sentem quando começam a se sentir livres e não mais submissos a coisa alguma.  E na realidade, logo depois, na volta ao colégio, quando entrou no pátio do segundo ano, não era mais o menino desorientado que tinha deixado Belcourt de manhãzinha, cambaleando sobre seus sapatos ferrados, o coração apertado pela ideia do mundo desconhecido que o esperava, e o olhar que pousava agora sobre seus colegas tinha perdido um pouco da inocência.  Muitas coisas aliás começavam nesse momento a afastá-lo da criança que tinha sido.  E se um dia, ele, que aceitara pacientemente apanhar da avó como se isso fizesse parte das obrigações inevitáveis da vida de uma criança, tinha subitamente louco de raiva e violência lhe arrancado o chicote das mãos, e tão decidido a bater naquela cabeça branca cujos olhos claros e frios punham-no fora de si a ponto de a avó ter compreendido, recuado e ido trancar-se em seu quarto, gemendo com certeza sobre a infelicidade de ter educado crianças desnaturadas, mas já convencida de que nunca mais bateria em Jacques, o que de fato nunca mais fez, é que a criança na verdade estava morta nesse adolescente magro e musculoso, de cabelos emaranhados e olhar impetuoso, que tinha trabalhado todo o verão para trazer um salário para casa, que acabara de ser nomeado goleiro titular do time do ginásio e que, três dias antes, tinha sentido pela primeira vez, desfalecendo, o gosto da boca de uma moça.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

COOPERATIVAS E MADALENAS: Artigo publicado no Anuário da AIDC de 2016 (Regime fiscal das cooperativas)



La introducción de las diferencias en los juicios que se producen en una gama de 10 años de la Corte Superior y el Tribunal Supremo sobre las mismas cuestiones se aplican a las sociedades cooperativas, el artículo se refiere al concepto de empatía propuesto por Max Scheler. Si bien se reconoce que las cooperativas son una forma sostenible para la felicidad, una actitud informativa presente en los argumentos habituales en este sentido no es llena a una respuesta fenomenológica al problema de la identidad en los juicios que tuvieron lugar en los tribunales. Por otra parte, sin la primacía de la consideración sincrónica, cualquier análisis diacrónico se queda sin garantía de su rigor. Este es un sentido diacrítico de las magdalenas de Proust en relación con las literaturas legales y económicas predominantes que abordan las cooperativas.



PARA ACESSAR A ÍNTEGRA DO ARTIGO (EM PORTUGUÊS):


http://baidc.revistas.deusto.es/article/view/1245