O ethos é caráter, costume e moradia. É um modo de ser de alguém como o abrigo
da sua humanidade em si, com que toca, afeta outrem (pathos) na
conjugação do verbo (logos). O ethos
se refere à atitude do emissor que dá consistência ao seu modo de ser, o que é
necessário à empatia por quem o avalia. Ainda
que imprescindível, uma adequação formal/causal de meios à sua realização de um
fim feliz não esgota a ética. Senão na
realidade do nós. Pois, as linguagens são as moradas do ser, elas
tornam mundo um comum-pertencer: é linguagem a mesmidade entre pensar e ser.
O
insidioso na insistência do eu consciente
como ponto de partida da ética é que a empatia perde vigor, e o bem comum
tende a se fragmentar ou se diluir em polissemias, quando só aparece, se conhecido
por mim mesmo e outros quase-eu (autonomias legisladoras), porque
soçobra ao sabor de identidades e identificações transitórias.
Qualquer integridade convoca o si-mesmo
como outro e os totalmente outros para uma presença deontológica.
Então,
em qualquer cooperativa, a ética se destaca do horizonte de indistinção (num
sentido de emergência para a consciência) na feição de um dilema visível em
suas realizações na ordem econômica:
como expor os princípios de
identidade cooperativa e promover fidelidade a eles em meio às manobras pelos
consensos e às pressões por resultados?
As respostas são irredutíveis à cognição sem um recurso a pré-conceitos. Nalgum paradigma ou alguma principiologia ou
teleologia. Ainda que para falar em
mudanças de princípios ou fins. Isso
acontece, porque não percebemos ordinariamente (e empatia é um fenômeno de
percepção), senão tendendo a alguma totalização, algum sentido que dê conta. E isso acontece inclusive na comunicação.
Mas,
é possível uma percepção como abertura.
Uma excepcional sensação de vertigem; um salto a nenhures num mundo que
mostrou, num vislumbre, algum excesso que nos convoca à busca de uma expressão;
que se nos ressignifica ao dar-nos uma
sensação de descentração do eu (esquecimento
de si mesmo) entre a mesmidade e a ipseidade.
Quando
me detenho no questionamento “quem sou eu”,
positivo o que é meu numa informação: corpo, percepção, consciência,
intenções, experiências, desejos, sentimentos, escolhas, projetos, patrimônio,
psique, espírito, alma, tradição, código de DNA, sexo, liberdade, história,
trajetória, biografia, auto estima...
Mas também negativo na diferença
entre o “meu” e o “eu” que me identifica como uma referência de
perspectiva por entre signos da
linguagem e que aparece originariamente numa especial sensação de tempo, mas que
vai encontrar num texto a possibilidade de um si-mesmo como outro, pois nessa
vivência originária já serei outro, ainda que sendo eu mesmo. Aqui intuímos uma
ipseidade que nos expõe como coautores e intérpretes de nós mesmos. Trata-se de uma identidade radical com o
totalmente outro, em diferença a um si-mesmo reflexivo pelo que já temos identificado
e que se projeta nalguém como diferença e o apropria por categorizações de
linguagem. Aqui se articula em particular qualquer enredo sobre liberdade e o bem
comum: o que realizamos com o real, conquanto a realidade seja sempre uma
realização do real.
Sintagma
é um elemento lingüístico que estrutura a sintaxe e a semântica (possiblidade
de sentidos). Sintaxe é a articulação lógica das palavras num discurso. O imaginário materializa os significados dessa
articulação lógica dos significantes num fechamento (totalização) de mundo para
que apareça um discurso sobre ele. A sintaxe é na relação com o sintagma
o que torna inteligível a unidade imaginária de um texto. A ordem sintagmática, no entanto, admite a
refiguração imaginária de todos os componentes suscetíveis de configurarem uma
semântica da ação prática num quadro paradigmático. Essa passagem do paradigmático
ao sintagmático é a atividade de configuração e a refiguração admite uma
passagem do sintagmático a outro paradigma. Esse ato configurante
consiste em considerar o desenrolar da história numa intriga literária; dessa
diversidade de acontecimentos, se perceber uma unidade temporal como retenção
pelo tecido do enredo. Há aí então um
fechamento em uma (meta)narrativa, mas esse enredamento do outro numa relação
já deu conta desse acontecimento originário da ipseidade. Revelação, por exemplo, na linguagem
salvífica entre a kairós, a kenosis e kerissein; imprescindíveis à
vivência da integridade plena e possível (ainda que misteriosa) do bom, belo e
verdadeiro: todo mostrar-se é um
acontecimento em seu próprio tempo e linguagem;
o tempo todo e em qualquer linguagem, só se mostra, quando também se
esconde. Revelador é o trânsito de mostrar-se e esconder-se: uma revelação é
necessariamente relacional, comunitária, cooperativa e dialogal.
Em
1908, Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) teve publicado seu livro Ortodoxia. Há nesse livro um capítulo intitulado Ética da Terra dos Elfos, de onde foi
extraído um fundamento para a saga da Sociedade do Anel, escrito por seu amigo
John R. R. Tolkien. Trata-se da
felicidade condicional. A prática do bem
se mostra diante de uma condição. Mesmo numa
narrativa marcadamente fantasiosa, mostrar-se-á uma ética, quando uma dádiva ou
um poder apoiarem-se num veto. A
felicidade depende do reconhecimento de limitações, mesmo quando não
identificamos uma razão ou um motivo para elas.
Há bondade na liberdade que encontra manifestação num sentido material de
sustentabilidade. Faço o que quero,
porque posso. Mas atento para a existência de interdições para o meu
poder-querer, sem o quê aciono inexoravelmente uma chave trágica da existência. Um fim feliz está sempre sustentado por alguma
contenção de si, senão há uma reversão axiológica (hybris) a emergir um sentido trágico das condições primordiais da
condição humana: destinação e finitude (métron).
O reconhecimento da relação polar entre essas condições primordiais e a
sublimação/temperança (eudaimonia) na
constituição do ser humano não necessariamente passa pela função ou motivação
ou por alguma razão a ser descoberta, mas pela percepção originária da ipseidade
diante de uma conformidade que dá a oportunidade para todos vivenciarem uma
empatia fundamental entre o ethos, o pathos e o logos. Vivência esta que
faz aparecer o bem comum compartilhado no pertencimento à polis.
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