quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Apresentação sobre o ato cooperativo no VI Congresso Continental de Direito Cooperativo em Montevideo, 16/11/2016

No Brasil, quando falamos de ato cooperativo, começamos a discutir incidências tributárias.  Isso tem acontecido há tanto tempo que passa despercebida a pergunta pelo enquadramento dele no Direito Civil desde a entrada em vigência do Código de 2002.  Só que, evidentemente, qualquer resposta consistente sobre a incidência tributária ao ato cooperativo passa pela sua compreensão como negócio jurídico no interior do Direito Obrigacional vigente. 
A unificação do Direito Obrigacional no Brasil, no corpo do Código Civil, foi concebida por uma equipe coordenada pelo Prof. Miguel Reale, sendo ele o autor da já muito estudada teoria tridimensional do Direito.  E é dele a indicação expressa de que as cooperativas foram mencionadas no Código Civil com o propósito de enquadramento nas linhas gerais de um Direito Obrigacional unificado. 

E o que está escrito no Código Civil?  Que todas as cooperativas, das maiores cooperativas do nosso agronegócio à menor cooperativa de catadores de material reciclável num aterro sanitário, são sociedades simples.  E como o Miguel Reale define uma sociedade simples? Como uma sociedade não empresária. 
Isso pode ser verdade para os produtores rurais da COAMO à sombra de seu parque industrial, quando a Aliança Cooperativa Internacional e a Organização das Cooperativas Brasileiras definem a sociedade cooperativa como uma empresa cooperativa?  E como então os Ministros do STF podem interpretar o comando constitucional para o adequado tratamento tributário ao chamado ato cooperativo?  Para que uma verdade a esse respeito apareça para todos, é preciso retomar o pensamento a partir de Miguel Reale.
Bom, vocês já devem estar se perguntando se a projeção dessas imagens é só decorativa, ou se tem alguma coisa a ver com que eu estou aqui falando.  Sim.  É ilustrativa.  Pois vou adotar, nesta exposição, um dogma presente nas imagens projetadas.  Fixarei uma plástica argumentativa em que se postula um equilíbrio relacional entre linhas que integram e cores que desagregam.  Como as cores primárias (vermelho, amarelo e azul) são absolutos materiais, são valores sensoriais.  
Aplicando o dogma à teoria tridimensional de Miguel Reale, assumo que as normas e os fatos, pelo caráter formal que suportam, tendem ao fechamento. E os valores são forças de segregação plástica.  Pois muito bem, tomando a cooperação como valor, posso então conceber um argumento denso acerca do ato cooperativo com uma expressão simples.
Feito esses parêntesis para matar eventual curiosidade sobre o propósito das imagens projetadas, vamos voltar ao tema desta mesa.  Se for incontornável examinar a tributação adequada a um negócio jurídico - o ato cooperativo – pelo seu enquadramento mais geral no Direito Privado, tal como vige no Brasil, a empresa cooperativa precisa “desaparecer”.  Porque, se não “desaparecer”, alguns julgamentos recentes havidos no Supremo Tribunal Federal, restarão incompreensíveis.
A cooperativa, em contraste com a sociedade empresária, lembra que as pessoas articulam alternativamente valores, conforme suas respectivas percepções e vivências e formulam diferentes projetos para a realização do bem comum.    Em que pese sua constituição como um valor atemporal e universal, a cooperação está sempre aberta a novos sentidos e significados para os quais a vivência nas cooperativas se apresenta como iniciação.
A empresa, como é fixada no Código Civil, está intimamente ligada à ideia de atividade habitual.  E existe uma diferença entre hábito e cultura. Hábito é uma coisa que fazemos com frequência, porque percebemos algum valor nisso, manifesto em satisfação, isto é, num sentimento de prazer ou de dever cumprido (mas, se for algo que fazemos com frequência e percebemos um desvalor nisso, será um vício e então sentiremos vergonha ou culpa).  Hábito e valor formam uma virtude. Uma cultura compartilha virtudes, tornando-as notáveis numa comunidade (internalizando nela a força dos hábitos comuns).
Como perceber o ato cooperativo numa cultura? Pelo hábito da cooperação. E para compreendermos o ato cooperativo, então é primordial diferenciá-lo dos negócios jurídicos habitualmente identificados com a empresa.
Um ato é cooperativo, porque há nele um valor determinante consoante uma hierarquia axiológica, tal como percebido pelos sentimentos e pelo qual se dá preferência a ele em relação a outros coexistentes na ordem econômica.  Trata-se de uma visão imediata e compartilhada do bem da sociedade, isto é, de acordos de vontade que se inclinam antes que ela venha produzir resultados econômicos, receber incentivos, ou ensejar sanções disciplinares. 
O que há de necessário, permanente, invariante e íntegro na cooperação como valor positivado no art. 146, III, c da Constituição Federal?  (1) uma operação patrimonial (consumo, produção, prestação de serviços, crédito etc.) como suporte, (2) mais de uma pessoa atuante, que exercitam uma preferência, (3) um ânimo de servidão de uma em relação à outra; e (4) reciprocidade em que ora uma serve a outra e ora vice-versa, tudo em proveito econômico comum a ambas. 
A cooperação então é (diz de) uma vivência afetiva em sua originalidade no cerne do ato de preferência constitutivo do que vem a ser cooperativo  -  vivência como uma iniciação para a descoberta dos sentidos para essa expressão – como encontro que mergulha a cooperação na temporalidade (seu aparecimento), mas que, como absoluto, não se dissolve no tempo.  Uma cooperação com a qual necessariamente pessoas exercitarão a democracia na gestão de suas atividades econômicas desempenhadas em comunhão, será gerada riqueza que circulará necessariamente na comunidade local onde está estabelecida a sociedade cooperativa economicamente ativa e resolverá ou minimizará ao menos os seus problemas comuns com a imperfeição de mercado e com a escassez de capital.  Sem isso, não há como pensar uma possibilidade realizável como um ato cooperativo.  Isto é, impossível pensar um negócio jurídico cooperativo de outro modo: não há como suprimir a cooperação como ato de preferência, sem destruir o ato cooperativo como um objeto do Direito Privado unificado.  
O sentido de servidão recíproca que há na cooperação realça a ausência de interesses patrimoniais opostos em suas operações e a autogestão exercida por quem pratica habitualmente atos cooperativos.


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