Este retrato é uma representação do Pai da Europa. E ele traz ambas as mãos ocupadas. Basta uma gugada para encontrar uma explicação que vai lhe soar de uma obviedade ululante: são símbolos do poder. Decomposto em autoridades secular e religiosa.
Esta é uma significação própria de uma época em que já está introjetado no senso comum o pensamento analítico, esse que percebe o real como complexo. Quando formulamos um pensamento analítico, nos sentimos esclarecidos. Uma análise rigorosa é o que nos convence da verdade.
Mas, este retrato foi pintado no fim de uma outra época; em que era narrativa a expressão mais convincente da realidade. A espada e a bola então guardam significados que se mostram mais evidentes no enquadramento: o Pai da Europa conquistou (a espada) um império (o globo) unindo na cristandade (a cruz) os germanos (a águia) e os francos (os lírios).
A variação das significações que diferenciam épocas nos fala das peripécias do pensamento. Ambas leituras do retrato são europeias. Porque começam pela pergunta "Que é isso?". É a tradição do grego antigo, que colocou o "que" no centro do pensamento, tal como na frase mais conhecida de filosofia: "sei que nada sei". Sendo europeus ambos os pensamentos nos signos do retrato, não são antitéticos do poder político. Em que pese serem uma expressão medieval da verdade e outra, moderna. A realidade aparece na ginga das épocas: a peripécia do pensamento.
É assim: no aparecimento do "que" no que algo é, a realidade é uma dinâmica entre lembrança e esquecimento, evidenciação e ocultação. Essa dinâmica se dá numa relação entre o " para que" e o "com quem".
Olha a água! Se eu grito isso, o que atrairá o seu olhar? Parece de novo óbvio e ululante: para o líquido que enche um copo sobre a mesa ou o mar. E que não haveria verdade objetiva num olhar que se voltou para uma parede. Vai ver, realmente a pessoa nem escutou o que gritei. Mas, pode ser um poeta que, ao escutar meu grito, o ouviu tão verdadeiramente que teve seu olhar atraído à dança sinuosa das luzes na parede junto de uma piscina iluminada pelo sol do inverno às suas costas.
Há duas afirmações então para que seja verdade com quem a vivencia: a verdade volta-se para alguém, pois ela não é visível senão fazendo-se em alguém. Mas, a verdade se mostra transparente num diálogo entre visões.
No Direito, a ideia de família está evoluindo ou decaindo? Nada pode nos deixar menos indiferentes, pois a ideia de família traz consigo as mais antigas memórias sócio-genéticas da humanidade: a sexualidade, a cooperação e o lar. Você pode ter uma opinião contra ou a favor do Estatuto da Família, mas em todo caso haverá uma palavra comovente na sua boca: amor.
Se você tem certeza de que a família está em transformação, muito provavelmente também tem certeza de que o amor se realiza na correspondência. A família resulta do afeto. Portanto, não cabe ao Direito predeterminar a conformação da família, mas desdobrar os direitos humanos na transitoriedade dos estados afetivos que a conformam. O dever está na observação da raposa para o pequeno príncipe: tu te tornas responsável por quem cativas.
Mas, é possível uma certeza de que a verdade sobre a família não seja menos transparente por uma análise rigorosa dos direitos humanos quanto é pela narrativa de Caim e Abel. Esqueça que se trata de uma narrativa contida num texto canônico ou talmúdico. Bastante admitir que é uma narrativa arquetípica. Importa que Abel se tornou insuportável para Caim a ponto de sua aniquilação. Mas, por Abel lhe ser familiar, Caim foi condenado. Irrelevante que Abel tivesse algum direito à vida: Caim sofreu a inapelável solidão de ter se livrado de seu irmão.
Essa narrativa então mostra o que há intemporal na família, que traz desde tempos imemoriais a memória de uma pessoa não querida. A família se mostra na rejeição ao abandono e portanto não depende do afeto.
Isso leva ao dilema fundamental no contexto do debate em torno do Estatuto da Família. O que família vem a ser então se mostra na celebração das bodas de ouro de sua avó e você lhe pergunta como ela conseguiu manter seu casamento por tantos anos. Ela, suspirando as suas cicatrizes, lhe responde: fechando os olhos. E você então pensa ou que não estará à altura dela em manter uma família, ou se lembra que o Estado Democrático de Direito lhe permite evitar esses sofrimentos evocados no suspiro mesmo sem abrir mão de gozar sua sexualidade, de contar com a cooperação no dia-a-dia e de ter um lar para chamar de seu.
Em todo caso, o paradigma da família permanece o mesmo como fenômeno puro de proteção ancestral, tão concreta quanto a cor herdada na pele: o masculino é o fundador da família ao decidir-se por se quedar junto ao feminino, que gesta e amamenta um terceiro cuja presença não foi querida. Importa tanto as variações circunstanciais dessas funções sócio-genéticas exercidas e mediadas nas sociedades contemporâneas, quanto a preservação da memória arquetípica dessas identidades como expressão máxima do justo.
foto 2: http://contopromundover.blogspot.com.br/
foto 5: Joca Faria's Photography
No Direito, a ideia de família está evoluindo ou decaindo? Nada pode nos deixar menos indiferentes, pois a ideia de família traz consigo as mais antigas memórias sócio-genéticas da humanidade: a sexualidade, a cooperação e o lar. Você pode ter uma opinião contra ou a favor do Estatuto da Família, mas em todo caso haverá uma palavra comovente na sua boca: amor.
Se você tem certeza de que a família está em transformação, muito provavelmente também tem certeza de que o amor se realiza na correspondência. A família resulta do afeto. Portanto, não cabe ao Direito predeterminar a conformação da família, mas desdobrar os direitos humanos na transitoriedade dos estados afetivos que a conformam. O dever está na observação da raposa para o pequeno príncipe: tu te tornas responsável por quem cativas.
Mas, é possível uma certeza de que a verdade sobre a família não seja menos transparente por uma análise rigorosa dos direitos humanos quanto é pela narrativa de Caim e Abel. Esqueça que se trata de uma narrativa contida num texto canônico ou talmúdico. Bastante admitir que é uma narrativa arquetípica. Importa que Abel se tornou insuportável para Caim a ponto de sua aniquilação. Mas, por Abel lhe ser familiar, Caim foi condenado. Irrelevante que Abel tivesse algum direito à vida: Caim sofreu a inapelável solidão de ter se livrado de seu irmão.
Essa narrativa então mostra o que há intemporal na família, que traz desde tempos imemoriais a memória de uma pessoa não querida. A família se mostra na rejeição ao abandono e portanto não depende do afeto.
Isso leva ao dilema fundamental no contexto do debate em torno do Estatuto da Família. O que família vem a ser então se mostra na celebração das bodas de ouro de sua avó e você lhe pergunta como ela conseguiu manter seu casamento por tantos anos. Ela, suspirando as suas cicatrizes, lhe responde: fechando os olhos. E você então pensa ou que não estará à altura dela em manter uma família, ou se lembra que o Estado Democrático de Direito lhe permite evitar esses sofrimentos evocados no suspiro mesmo sem abrir mão de gozar sua sexualidade, de contar com a cooperação no dia-a-dia e de ter um lar para chamar de seu.
Em todo caso, o paradigma da família permanece o mesmo como fenômeno puro de proteção ancestral, tão concreta quanto a cor herdada na pele: o masculino é o fundador da família ao decidir-se por se quedar junto ao feminino, que gesta e amamenta um terceiro cuja presença não foi querida. Importa tanto as variações circunstanciais dessas funções sócio-genéticas exercidas e mediadas nas sociedades contemporâneas, quanto a preservação da memória arquetípica dessas identidades como expressão máxima do justo.
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