O mito de Prometeu diz que
humanidade é admirar as estrelas. É que
desde seu primórdio, a humanidade já estava marcada pelos temores da fome,
sede, frio, escuridão e morte. Mas,
abrindo o abismo entre si e o mundo,
desde sempre, percebeu que, no movimento dos astros, especialmente no solstício, um ente inalcançável lhe falava pessoalmente
acerca desses temores. Desde sempre,
homens perceberam que na relação entre eles e as estrelas (especialmente o sol) existiam misteriosos
signos de algo mais do que a morte... a sobrevida: o tempo.
A diferença entre mistério e
problema é essa: o sentido de um
problema se esgota na resposta certa a ser encontrada. Mas o sentido do mistério está na pergunta
insistente, mesmo que já encontrada alguma resposta. O tempo é misterioso na relação entre as
estrelas e o si da humanidade. O tempo é o acontecimento que de certo modo
dominamos num fluxo contínuo, imutável que vem do passado em direção ao futuro,
mas que de modo surpreendente nos escapa em saltos, rupturas e suspensões entre
a lembrança e a esperança.
As horas são expressões
desse mistério. Hoje, estamos
acostumados a vê-las como números que regulam as rotinas de nossas atividades
diárias, quando o dia é a expressão mais tangível do presente. Mas, no dizer das horas, guardamos a
lembrança e a esperança vindas de deusas muito antigas. Filhas de Zeus, as Horas disseram
desse paradoxo do tempo. Pois eram
ambíguas em seus nomes: ora eram
bucólicas - (Hora de ) germinar, crescer e fortificar (Thallô, Auxô e Carpô);
ora eram cívicas - disciplinar, justificar e pacificar (Eunomia, Diké e
Eiréne).
As Horas só não são tão
antigas quanto a própria memória. Tisífone (castigo), Megera (rancor) e Alecto
(cólera), todas Eríneas, são nascidas do
sangue derramado sobre Gaia, quando o avô das Horas, Cronos, castrou Urano, o
céu, seu pai. Ao castrar o céu, Cronos é o tempo que recusa a memória. Tendo castrado seu pai, Cronos devora seus
filhos e assim recusa qualquer esperança: Cronos é só temor. Sem memória e sem esperança, o tempo nadifica
ao nos restar o acerto de contas dos sofrimentos, ressentimentos e ofensas.
Mas, eis que as Eríneas
também são ambíguas e, como memória, foram chamadas Eumênides, as guardiãs da
cidade. Entre as mesmas deusas serem
chamadas Eríneas e Eumênides, houve um acontecimento singular: a Palavra - o
Voto de Minerva.
Agamemnon sacrificara sua
própria filha, Ifigênia, o que motivou sua morte pelas mãos traiçoeiras de sua
esposa, Clitemnestra; gesto contra o qual Electra ergue o seu clamor; ela também
filha do patriarca na casa dos Átridas. É este clamor que leva Orestes a matar
sua mãe. Em todos esses acontecimentos,
movem-se as Eríneas. Mas, ao ouvirem uma
palavra sábia, vão residir e preservar a cidade que viria a ser o berço da
democracia. Dialógica, essa palavra
comove até mesmo deusas, mas não o faz senão reafirmando no caso o patriarcado:
a violência contra a mãe não recebeu o mesmo peso que a morte do pai.
Tudo isso é uma linguagem
originária que nos leva ao que vem desde a origem: o logos - o verbo que nos conduz até o fim. Esse verbo é dialógico como o tempo. Dele
surge tanto o Big Bang da física
quântica quanto o Fiat Lux da
tradição abrâmica. Entre um e outro, a humanidade. É a palavra que deriva em pura forma - a
lógica e pura matéria - o axios (o valor).
A forma pura é sempre a
mesma, não importa a matéria. 2 + 2 está
fora da história, já que não muda pelo de quê.
Assim também é a matéria pura. O que nos vale é o que é em infinitas formas. E no diálogo possível entre os limites de puros ideais, a
humanidade é tempo histórico.
E o que é tempo
histórico? Ele pode ser mostrado no 2 +
2. No alvor da humanidade, num tempo em
que apareceu o neocórtex, 2 + 2 se deu na sobrevivência pelo decidir-se
adequadamente à vista de uma, duas, três... muitas cobras. Um olhar para o chão
e um olhar para o céu. A história do
homem é o espetacular desdobramento do 2 + 2 até os buracos de minhoca que hoje
respondem a problemas propostos acerca do universo.
Entretanto, de que vale todo
esse espetáculo de transformação e disposição do 1,2,3... muitos em buracos
negros e partículas de Bóson, quando ainda são persistentes os mais arcaicos dos
receios face ao que nos é tão próximo como eram as cobras dos homens de Neanderthal
- o meio ambiente? É no mistério, e não no problema, que se renova o diálogo.
Toda essa conversa nos diz
de algo muito significativo para o Direito.
Se o nosso estágio civilizatório permite pensar em muitas variantes para
a família, talvez seja mesmo hora de convocar o Estado e o mercado a regularem
cada vez mais as diversas relações jurídicas e econômicas situadas. Mas, o Estado e o mercado são espetáculos,
sofisticações tão históricas quanto o teatro de Ésquilo. Espetaculares, tocam, mas não respondem por
si mesmos para diante aos arcaicos temores tão presentes quanto a possibilidade
de uma seca inapelável dos mananciais de água potável para abastecerem ao mesmo
tempo todos os tribunais, os escritórios de advocacia, as clínicas de
fertilidade assistida ou aborto e os consultórios médicos necessários para dar
cenários ao palco.
É
preciso, mesmo sob a égide dos direitos humanos, lembrar e guardar em diálogo o
que é tão antigo, quanto esses temores.
Tão concreto quanto são mais de uma, duas, três... muitas cobras. Tão ideal quanto é uma família que a tradição
nos trouxe até aqui.Foto 2. journeyingtothegoddess.wordpress.com
Foto 6. Samuel Bernstein's Stage and Cinema review of City Garage's Orestes
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