Num Sonho de Liberdade, há uma cena pungente em que um presidiário,
após muitos anos recluso, sai em
liberdade condicional. E, desesperadamente perdido no nada que sua liberdade
abria para si, se suicida.
Quando é atraída nossa atenção
para algo ou para alguém, este para já nos atravessa e nos mergulha na história. Assim,
água é água para nossa
sede. Não é solvente das bulas de
remédios que estão no nosso banheiro, mas aquilo que molhará nossa garganta,
quando nos dirigimos à geladeira. E é
nosso desafio, quando estamos no bloco à beira da piscina esperando o tiro de
largada para uma tomada de tempo. Assim, a identidade de alguém na história
carrega sempre um para si. Somos sedentos, competidores para sermos quem somos.
Na integridade dos esquecimentos e lembranças
que se enredam para tornar mundo como nós o expressamos, a água não toma decisões ou faz escolhas nem cria
situações. Então, o jogo de ser e não ser em meio a esses esquecimentos e
lembranças não lhe importam em ser aí.
Permanece sempre como que. Aí, só nós há como quem.
Na morte do cinegrafista, as
múltiplas possibilidades do vir a ser dos diversos personagens tecem intrigas
que se nos apresentam. Interessa a mim a diferença dos possíveis: agentes
provocadores infiltrados por milicianos ou militantes irresponsáveis povoam as diferentes
versões para um acontecimento trágico.
Muito menos me interessa o que
diferentes hipóteses e teorias supõem do que aconteceu ou que as
provas a serem produzidas pressionarão para a prevalência de uma em relação a outras. Afinal, não sou relator de nada do episódio. Porém, a verossimilhança dessas diferentes
hipóteses já dizem muito do que está
acontecendo em nossa cidade e podem já nos dizer quem somos como cidadãos ao
tendermos a essa ou aquela resposta.
O que há de comum entre as
versões que distribuem responsabilidades a torto e a direito? A violência como meio, recurso. É água em vagalhão que nos apavora ou nela
surfamos de braçada. O que aproxima milicianos, militantes e oportunistas em geral é essa disposição de se identificarem como quem nada de braçada num empoderamento da história de nossa cidade.
E eu nisso? Bem, eu, um não-tempo
que torna dizível o que é dito no tempo, prefiro lembrar que miséria, descontentamento e qualquer razão já são para-si.
Bem aventurados os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus.
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