sábado, 21 de setembro de 2013

A língua e o sino

"Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, 
se eu não tivesse amor, seria como sino ruidoso ou como bronze estridente"
(1a Carta de São Paulo aos Coríntios 13:1)

O nosso (Papa) Francisco mandou bem.



Na sua primeira grande entrevista, concedida aos jesuítas, ao tratar das políticas de planejamento e organização familiar e da defesa da vida diante de temas como aborto e homossexualidade, voltou-se aos católicos para lhes pedir respeito, compaixão, sensibilidade e acolhimento para com quem pensa e age em desacordo com os ensinamentos da Igreja.  

Não.  Francisco não está propondo mudança de posições da Igreja.  Não se curva às modas. É uma marca de abordagem pastoral.  Só está sendo franciscano: compreender mais do que ser compreendido, consolar mais do que ser consolado, perdoar mais do que ser perdoado.  

Os fundamentos teológicos sobre os quais a Igreja assenta suas posições sobre esses temas já estão para lá de amadurecidos.  Mas, a questão relevante suscitada pelo Francisco é: os católicos não precisam se comportar o tempo todo como doutores da Lei divina.  Isso significa apenas uma leitura fragmentada dessa mesma teologia.  

Às vezes, até mesmo para os mais sinceros católicos é preciso lembrar que Moisés nos trouxe a Lei.  E Cristo a fez perfeita nos trazendo a paz. 

Ouso dizer que isso está expresso no Magnificat.  Maria canta que Deus olhou para sua humilhação como serva e doravante todas as gerações a felicitarão. Ela está grávida, mas seu filho não tem um pai de sangue conhecido.  Pela Lei mosaica, na sociedade patriarcal da época, a posição de Maria é a mais marginalizada que uma mulher poderia estar, mas por amor como ato puro (a sombra do Espírito Santo); isto é, sem forma alguma (e não de alguma forma, pois ela continua virgem), ela é elevada à condição de Mãe de Deus. 





O saudoso imortal Luiz Paulo Horta, em seu Diário de Leitura da Bíblia soube dar tratamento jornalístico a essa teologia:


"E há o Cristo cuja humanidade transborda como um rio de águas profundas.  Essa fascinante humanidade aparece em histórias como a que conta são João [ele reconta o encontro com a prostituta e o famoso tirocínio "atire a primeira pedra quem estiver sem pecado"] (....) 



"Esse é o Cristo da misericórdia, que aparece muitas e muitas vezes.  Ele tem todos os sentimentos humanos, ainda que expurgados de suas deformações.  Por isso, é falso o Cristo de algumas representações açucaradas.  Ele pode, eventualmente, falar com a mesma severidade de um profeta antigo.  E se há uma coisa que ele não tolera é a hipocrisia. Daí ele ser tão duro com os escribas e fariseus.

"(....)Não se pode condená-los indistintamente.  (....) Tendiam a enrijecer devido às condições políticas e culturais da época - a começar por uma moral que ia se desfazendo. (....) Contra esse contágio é que se erguiam os fariseus - e que eles foram capazes de criar uma consciência heróica em Israel fica visível na epopeia dos macabeus.


"Mas, a natureza humana tem suas armadilhas, e, por uma autoconsciência orgulhosa, os 'doutores da Lei' podiam cair na mesma miopia espiritual que atinge eventualmente um prelado católico ou um pastor protestante.  É a deformação contra a qual, um pouco depois, vai lançar-se São Paulo; a ilusão de que com a observância meticulosa dos textos da Lei [e não com a misericórdia] garante-se a justificação - a salvação eterna.  E tratando dessa cegueira espiritual, que se transforma em hipocrisia, o Cristo explode numa cólera terrível:  'Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Vós fechais ao homem o Reino dos Céus! Vós mesmos não entrais nem deixais que entrem os que querem entrar."



Francisco, essa brisa que vem da janela aberta em seu claustro areja nossa Igreja.  Essa brisa é o Espírito Santo, que vivifica!

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