segunda-feira, 27 de junho de 2022

Pensando & Conhecendo LI

A esquizoanálise é um esforço filosófico de distinguir.  Em termos metodológicos, ela dá voz da recalcitrância à escuta.  É uma trilha pelo qual se perde a marcha  em vista do horizonte inicial de uma pesquisa e se encontra o passo que não estava previsto.    Uma hipótese no meio de outra hipótese.  Outras possibilidades de compreensão do fenômeno e diálogo que desorganizam e reorganizam os dados na medida em que o pesquisador redescobre o alfabeto. 

A expressão-chave da esquizoanálise é transversalidade.  A transversalidade distingue hierarquias (verticalidades) e corpos (horzontalidades) organizados.  Atravessa, desmancha e (re)institui territórios como quem desfez e refaz interações entre os múltiplos pontos de uma carta geográfica.     Não se trata de uma refutação da hipótese inicial, mas dos pressupostos dela, à formulação do problema, das articulações entre agentes e coisas.  Não se trata de chegar ao elementar; mas, o oposto:  ao complexo - à ampliação de espectro dos determinantes, uma rede heterogênea de concorrentes nos campos de forças dinâmicas em realização aí de um plano comum, mas já diferente. 

A esquizoanálise é envover-se pelo lusco-fusco, dar-se ao movediço; sentir a vertigem e a surpresa de todo acontecimento criativo na produção de saberes.    






terça-feira, 21 de junho de 2022

Pensando & Conhecendo L

Pode-se dizer um marco do séc XX algo que diferencie significativamente características  sociais e históricas do séc XIX do XXI.  Um marco assim foi epistemológico.  É a compreensão de que estamos sempre em busca de um padrão para compreendermos algo que se nos apresente à percepção.  Se essa busca não começa a partir da consciência, mas do corpo, já se dá ao nível biofísico.  No entanto, não há uma relação entre o que se estabelece nesse nível e a compreensão.  Se assim fosse, haveria algum tipo de predeterminação, mas isso não acontece, porque vigoram correlações.  Ou seja, há imbricações entre a fisiologia cerebral e os fenômenos tanto para a consciência como para o inconsciente.

Essas correlações são transversais, oscilantes e circulantes entre a consciência e a inconsciência em relações biunívocas por entre entrelaçamentos binários.  O que transversa, ele mesmo é tão somente presença.  Que não pode nem ser figurada ou representada, senão já oscilante e circulante.     Então, a realidade é incontornavelmente aberta e dialogal, ainda que existam padrões mais persistentes do que outros para dizer da presença, que só pode se dar já relacionada com a existência como entrelaçada com a identidade e diferença; natureza e forma; eu e mim mesmo (self); conceito e noção; texto e contexto. 





sexta-feira, 10 de junho de 2022

Pensando & Conhecendo XLIX

Há entre validade e verdade uma relação biunívoca por entre entrelaçamentos binários.  O mais moderno dos critérios para a relação é o da correspondência entre o conhecimento produzido e o objeto estudado.  A correspondência é a representação da realidade; representação figurada em normas e procedimentos incidentes sobre o controle de variáveis em funções para verificação ou refutação de hipóteses predeterminadas. 

Há, outrossim, o critério da criação.  Neste caso, acompanhar é um verbo preponderante sobre observar, pois este pode mais das vezes, ser significativamente substituído por intervir.  Neste caso, estaremos então diante de um processo de singularização para além das formas individuadas, pois lidaremos com a produção de subjetividades.  Forças e agências, e não funções e estados.    A validação então não lidará estritamente com dados, análises e resultados, mas com acessos, encontros e efeitos.  O acesso tem a ver com habitar o campo; atenção e abertura.  O primado é o dos processos e atos, e não das metas e objetos. Os encontros, ao nível da percepção, da narrativa e do entendimento são conceitos, articulações de fenômenos que pareciam dispersos, insignificantes, ou sem padrão e relação na linguagem.  É o avesso da pesquisa a sugerir linhas de continuidade tanto para os pesquisados, como para o pesquisador e seus pares.  No lugar do controle e correspondência figurativa, contato e consistência performativa.  Quanto aos efeitos, trata-se de expectativas e recalcitrâncias. 




quinta-feira, 2 de junho de 2022

Pensando & Conhecendo XLVIII

 Há algo diante de mim.  Está aí.  Posso vê-lo.  Uma cadeira.  Posso ouvi-lo, uma máquina;  cheirá-lo, um assim assado.  Tocá-la...  é minha esposa, sal na vida; já alguém, e não algo.  Esse estar aí para mim é acontecimento, mas remete a uma permanência para além de minha intencionalidade.  Distraio-me,  recalcitra, estabelece-se uma fronteira existencial entre mim e o mundo.  Recalcitra, mas também se deixa restar: está aí.

Entre mim e mundo, o que há?  Estou sujeito a uma existência situacional na qual recorrentemente me ocorrem seres objetando por serem o que têm de ser por si.  Diferentes a cada vez.  Em todo caso, há uma correspondência identitária-conjuntiva para mim de um mundo sendo sempre assim.  Detenho-me, pergunto-me, observo, reflito (ou vice-versa), e logro respostas.  Experimento, a existência dispõe-se; consuma-se ao fato.  Tomo a cognição de algo por representação e figuração, os dados decompõem-se em componentes, partes, linhas, curvas, relações e interações.  Análise e experiência: o objeto por ponto de partida e o sujeito por acesso.  Nem a análise nem a experiência instituem um novo objeto nesse início, pois percebo uma existência transcendente a mim mesmo que me afeta e dou sentido a isso. 

Mas, o acesso modula toda a experiência, mesmo que formalizada nalgum procedimento dado.  Por isso, há sim uma dimensão participativa na constituição dos objetos.  Daí que a análise pode então voltar-se para essa participação, as suas condições de emergência do objeto, uma gênese.  Isso é coextensivo a modo de problematizar: o problema não é dado, a experiência por assim dizer então cria novos problemas na multiplicação de sentidos.  Implicações.  Zonas de ambiguidades.   Cultivo, ao invés de coleta.