sábado, 12 de fevereiro de 2022

Pensando & Conhecendo XLII

Clint Eastwood é um cineasta e ator cuja maestria está em compor personagens em tensão entre a conformidade legal e a integridade moral.  Sua dramaturgia indicia que um agente de compliance à altura de seu desafio não aplica de modo automático os protocolos, já que o prescrito para a prescruta de uma conduta moralmente íntegra pode deixar pistas de um vazio de normas a suscitar uma renormatização vislumbrada por força do vivido. Os corpos protocolares nunca totalizam a incessante invenção coletiva de dispositivos capazes de produzir sentido. 

Uma técnica para distinguir esses dispositivos é a instrução ao sósia pelo qual se exercita as injunções sobre como deveria o sósia se portar para não reconhecido como um impostor.  Esta técnica faz pensar o compliance como espaço para uma clínica do trabalho; uma ampliação dos processos investigativos entre gêneros e estilos.  O gênero é um corpo imaginário interposto entre corpos físicos como campos fenomênicos e entre eles e o ambiente de trabalho.  Um gênero vincula os que participam de uma situação e avaliam essa situação de uma mesma maneira.  Toda atividade em gênero terá algo subentendido além do explicitado.  O subentendido se conhece, se espera, se aprecia ou se teme.  É o que se deve fazer graças a uma comunidade de avaliações pressupostas, sem que se tenha que se especificar, é como uma senha conhecida somente por aqueles que se integram ao gênero.  O estilo, por sua vez é da ordem da singularização na potência transversal do gênero.  A flexibilidade do gênero depende do estilo, uma cadência.  O estilo não é contra o gênero, mas não cessam de metamorfoseá-lo nos pontos de fadiga da prática no campo de forças e de afetos de onde emergem as mudanças.







Pensando & Conhecendo XLI

 A gestão de riscos é passar por um fino gelo entre a suspeita e a confiança.  Os gestores de compliance correm risco, se desinteressarem pela experiência de se ser íntegro.  Isso acontece, quando impõem um modelo heteronormativo de perceber e pensar conformidades, enquanto emulam engajamento e adesão.  Pertinente então se perguntar pela circulação dos diferentes sentidos que assumem os processos de compliance.  Os sentidos adquiridos dependem dos modos de sentir e agir mobilizados, quando os processos são estabelecidos, porque eles podem reforçar frustrações e dificuldades; a mobilização nem sempre é compartilhamento e engajamento nem sempre é cooperação.  Os vínculos de confiança envolvem criação partilhada de sentidos, pois além da colocação das questões de conformidade, há novos encontros que se estabelecem.  Um plano de integridade é um plano de experiências compartilhadas nas conexões entre sujeitos e mundos. No plano da integridade, a hierarquia da especialização é subvertida. O ethos da confiança está no plano da experiência, no manejo de vínculos, e não nos enquadramentos da deliberação baseada em cálculo de resultados.  Neste sentido, toda confiança pressupõe alguma indeterminação que difere a coerência da linearidade.  Neste ponto, engajamento não se reduz a uma oposição à recalcitrância. Eis que a integridade é completude dialógica que tensiona saberes e práticas.  Enfim, o plano é comum, mas que haja esse coeficiente de indeterminação no espaço do diálogo - uma sintonia amodal (ritmos e velocidades) constituída de afetos e perceptos antes de uma ordem identitária ou representacional.   É dessa sintonia que emerge a confiança.  O desafio é identificar os dispositivos para esta sintonia,  considerando que afetos não se confundem com os sentimentos, nem perceptos com percepções.    Confiança não é uma questão de adesão, se não for antes uma questão de cultivo:  se for baseado em termos preestabelecidos, não se dá a sintonia, pois esta só se faz com atenção às recalcitrâncias que emergem ao longo do caminho.  Por isso, a confiança não se baseia em pilares, se não for para ser atento às passagens; às pistas.




Pensando & Conhecendo XL

 

A tradição penal vai se transformando no mundo inteiro a galope de Mustang.  Essa tradição sempre deu ênfase a um nexo causal que só pode ser descrito a partir de agentes individualmente considerados como criminosos e vítimas.  Naturalmente, isso sempre dificultou a aplicação do Direito Penal em práticas de alta complexidade organizacional com resultados ultrajantes e gravíssimos contra a vida, o meio ambiente e a economia popular.  Mas, o fortalecimento das práticas de compliance está diretamente relacionado aos precedentes judiciais que criminalizam condutas que são antecedentes ao dano ao bem jurídico, mas que decisivamente concorreram as condutas adotadas para esse resultado. 

 

Sabe-se pela economia comportamental e teoria dos jogos que as nossas decisões tendem a ser mais arriscadas e moralmente lenientes com o ilícito, quando só temos em perspectiva os ganhos que a organização obterá com essas opções.  Por isso, lidar com os riscos dessas opções passou a ser cogente para o gestor e condição necessária para ele se eximir da responsabilidade criminal.  Não se trata de negar as condutas neutras.  Mas, de efetivamente documentar que os riscos são considerados e ao menos medidas em vista à mitigação são cogitadas e encaminhamentos são inerentes às boas práticas do gestor no contexto da organização. É de responsabilidade de um gestor cuidar para que sejam identificadas e tratadas as condições e fatores que, no ambiente da organização, possam favorecer decisivamente para práticas criminosas com alto potencial de danos para a sociedade e o meio ambiente.



Crininalidade Econômica e Empresarial