terça-feira, 23 de março de 2021

Cozinhar: verbo ético

Na pandemia, vou aprendendo a cozinhar.

Um hominídeo se tornou ser humano ao conjugar três verbos: falar, proibir e... cozinhar. Você não precisa ser antropólogo para alcançar isso. Basta ver um filme de zumbi: eles nada dizem ao comerem a própria mãe e... a comem crua e sem um tempero!
Ser humano é ser com outro, mas não como colônia de formigas. Você poderia mamar um gole de leite Moça com a boca cheia de Nescau. As latas passando de mão em mão. Só que não. Você prepara um brigadeiro.
Quem cozinha encontra sua satisfação não exatamente na comida que preparou, mas quando alguém experimenta a sua comida e gosta. Gosta tanto dela que gosta mais de você. Cozinhar é servir e gostar da servidão.
Mas eis o tempo para a morte. Como cantam os velhos sábios da Portela: o mundo passa por mim todos os dias, enquanto eu passo pelo mundo uma vez. A cozinha é restritiva para pessoas que passaram anos cozinhando diariamente; aí, quando param de cozinhar, se sentem libertas de uma pena, de uma vida devotada ao cansaço. Mas, para isso, alguém teve de entrar numa cozinha no lugar delas.
Poucos verbos são tão ambíguos em termos da ética como cozinhar: é alegrar e sofrer.




Nenhum comentário:

Postar um comentário