sábado, 27 de março de 2021

PENSANDO & CONHECENDO XXII

 

Desafios contextuais da epistemologia social atualizam preocupações do Círculo de Viena, um grupo de intelectuais desconfiados do impacto gerado no imaginário alemão pelo Stürm und Drang (Ímpeto e Tempestade), um movimento estético que aconteceu enquanto era amadurecida a unificação nacional da Alemanha.  A confraria vienense foi formada num momento imediatamente anterior à anexação da Áustria ao III Reich.  Esses intelectuais estavam particularmente interessados em lógica e linguagem para a normatização do conhecimento.  A ênfase dada pelos vienenses foi uma resposta à relativização da verdade ôntica frente à vontade do sujeito histórico que encontrou sua epítome metafísica no Espírito de Hegel.  Neste sentido, se pode compreender que a motivação de Wittgenstein escrever seu Tratado Lógico Filosófico tenha sido por ele afirmada como sendo eminentemente ética.

A precipitação da Anschluss dispersou os amigos forçados pelas circunstâncias à imigração. O ingresso de vários deles em universidades inglesas e norte-americanas foi uma inflexão para a filosofia anglófona contemporânea, em particular a lógica-analítica. 




Pensando & Conhecendo XXIV

 

Mesmo tendo a disposição uma massa de dados, qualquer ciência social, inclusive o Direito, tem aspectos a respeito do seu conhecimento a serem considerados:  o alcance limitado no manejo de aparatos de observação experimental para a refutação das hipóteses, as covariações dos fenômenos em diferentes campos do conhecimento (como a psicologia, a tecnologia e a etnologia) para uma parametrização eficaz dos comportamentos e a circularidade com que o conhecimento adquirido possivelmente impacta as próprias condicionantes do comportamento (o conhecimento é provavelmente um dos condicionantes), bem como impacta a formulação de inferências e  conclusões com as descontinuidades reflexas dos diferentes marcos teóricos adotados, o que impossibilita uma definição simples de progresso para o estado das artes.

A teoria dos jogos teve relevância nos últimos anos para a produção de conhecimento em ciências sociais como a economia por ter se apresentado como eficaz  num paradigma para lidar com esses diferentes aspectos.  Com a ressalva de que paradigma não se confunde com dogmas epistemológicos: não é corpo de proposições teóricas, ou protocolos procedimentais.  Um paradigma é o modo próprio de uma comunidade de pesquisadores  compartilhar entre si termos de suas interpretações teóricas e orientações práticas de estudo e pesquisa.  Um paradigma diz das opiniões (crenças) compartilhadas que se busca justificar com a formulação de hipóteses afins e com as maneiras recorrentes com que lidam com essas hipóteses.  E neste sentido que se pode dizer que um paradigma seja estrutural do conhecimento.

 



terça-feira, 23 de março de 2021

Cozinhar: verbo ético

Na pandemia, vou aprendendo a cozinhar.

Um hominídeo se tornou ser humano ao conjugar três verbos: falar, proibir e... cozinhar. Você não precisa ser antropólogo para alcançar isso. Basta ver um filme de zumbi: eles nada dizem ao comerem a própria mãe e... a comem crua e sem um tempero!
Ser humano é ser com outro, mas não como colônia de formigas. Você poderia mamar um gole de leite Moça com a boca cheia de Nescau. As latas passando de mão em mão. Só que não. Você prepara um brigadeiro.
Quem cozinha encontra sua satisfação não exatamente na comida que preparou, mas quando alguém experimenta a sua comida e gosta. Gosta tanto dela que gosta mais de você. Cozinhar é servir e gostar da servidão.
Mas eis o tempo para a morte. Como cantam os velhos sábios da Portela: o mundo passa por mim todos os dias, enquanto eu passo pelo mundo uma vez. A cozinha é restritiva para pessoas que passaram anos cozinhando diariamente; aí, quando param de cozinhar, se sentem libertas de uma pena, de uma vida devotada ao cansaço. Mas, para isso, alguém teve de entrar numa cozinha no lugar delas.
Poucos verbos são tão ambíguos em termos da ética como cozinhar: é alegrar e sofrer.




Pensando & Conhecendo XXIII

 




O slogan Arbeit macht frei (o trabalho liberta) nos remete à memória dos campos nazistas de concentração e extermínio    Mas, em Buchenwald, havia inscrito outro slogan:  Jedem das seine (A cada um, o seu).  Este slogan permite explicitar melhor a hermenêutica em atribuir, ou não, às Leis Raciais de Nuremberg condição de ser Direito. 

Na organização dos cursos de ação, pode-se falar de habitats em que estão estruturadas e determinadas as funções estatais e do modo como os agentes públicos imbuídos de realizar essas funções raciocinam ou devem raciocinar. Uma instituição moral não só organiza um curso de ação da vida individual ou social das pessoas, mas também impacta as ações estatais de modos variados. As variações têm a ver com os poderes e funções estatais. Mas, se é possível pôr em xeque uma argumentação jurídica que determine o uso do predicado justo ao correlacioná-la a padrões morais, é discutível se a moralidade toma parte da essência do Direito.  Mas, a necessidade do bem jurídico como pressuposto de uma argumentação implicará no corolário em que a moralidade tome parte da essência do Direito.

 




 

quinta-feira, 4 de março de 2021

DESVENDADO UM ENIGMA

 Meu querido amigo Marco Túlio De Rose publicou isso na sua TL no FB:

DESVENDADO UM ENIGMA

Um dos poema/prosa mais
belos de Mário Quintana
“A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer...”,
sempre teve seu que de enigmático.
Esses dias lendo a entrevista de Salman Rushdie para a FSP, na qual ele mencionava a diferença entre a ficção e a fake news, entendi o que o poeta disse.
S. Rushdie lembrava que enquanto a ficção (especialmente a boa) partia de uma narrativa irreal para tornar maior a compreensão do real, as fakes percorrem o caminho inverso: um fato da realidade é transformado em algo irreal que a deturpa.
Mário Quintana falava no seu prosa/poema da poesia, da ficção.
Comentei-lhe isso:
Boa correlação para a distinção fenomênica. Eu não diria deturpar, mas reduzir. Digo isso, porque deturpar remete à ideia de que só o outro tenha hábito de propagar fake news, quando isso se tornou um problema inerente à crescente rapidez na geração e disseminação de dados. Em termos míticos, a fake news é filha do boato com a tecnologia da informação. A mimese da fake news é que ela reforça e aprofunda nossas prévias convicções. Diria eu que a ficção dilata a visão de mundo, ela é seminal; a fake news a estreita, ela é viral.
Eu vou contar um causo. Um amigo meu compartilhou um interessante texto atribuído ao Papa Francisco. Informava ser o sermão da missa celebrada na igreja e dia citados. Eu li e imediatamente percebi que se tratava de algo falso. Porque um Papa só fala em homilia recorrendo à linguagem salvífica. Serei prosaico: em 4 parágrafos, pelo menos um irá mencionar o Pai, o Filho ou Espírito Santo. Ou Maria.... A linguagem do texto era laica. Primeiro, chequei o site do Vaticano. A homilia do dia era completamente diferente e ele nem tinha passado perto daquela igreja naquele dia. Mas, o texto era muito bem escrito. Então, deveria ter uma fonte rastreável. Fui atrás. Era do psiquiatra Augusto Cury. Moral da estória: alguém leu o texto, gostou tanto que quis mais gente lendo-o. E teve a ideia muito útil de atribuir ao Papa hermano-boa-praça, pois sabia que isso daria potência viral ao texto. Uma fake news foi produzida por uma pessoa de boa fé e compartilhada comigo por outra pessoa bem intencionada.



Sem prejuízo ao bem que essas pessoas se propunham com seus respectivos atos, foi espalhado um boato: a de que o Papa esteve num lugar em que não esteve, fazendo algo que não fez (celebrar missa ali) e ainda dizendo algo que não disse. Resta mostrar o estreitamento de uma visão de mundo: em contraste com o Papa Bento XVI, que só padres, teólogos e filósofos conseguiriam acompanhar seus discursos, o Papa Francisco quer reformar a Igreja, trazendo-a ao nível de nossos sensos de bem e entendimentos corretos. Para isso, naturalmente a linguagem só poderia ser laica.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Tierischer als jeder Tier: Artigo aprovado para apresentação no Congresso Latino Americano de Direito Cooperativo

Com uma propedêutica referenciada na personagem Fausto, de Goethe, uma correlação fenomenológica entre a gestão democrática das cooperativas e tecnologia da informação é feita com a abordagem das Leis brasileiras 13.709/18 e 14.030/20, respectivamente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e alteração na Lei Geral das Cooperativas (Lei 5.764/71) para previsão das assembleias gerais digitais ou semipresenciais.  A correlação expõe uma instabilidade potencial entre a supremacia democrática manifesta em suas assembleias e o desempenho tecnológico marcado por densa normatividade regulatória.

Apresentação será dia 04/03 às 14h no I Congresso Latino Americano de Direito Cooperativo.  O evento é organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie


Acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=83bmtSS5Mzo