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No contexto das Cooperativas brasileiras, a
adoção de recursos tecnológicos para as Assembleias Gerais sempre foi postergada
e resistida, apesar de não haver nenhuma restrição legal para a sua prática.
Muito se questionava quanto à segurança e privacidade conferida aos dados
pessoais dos cooperados e associados no ambiente virtual.
Diante da pandemia, no entanto, o mundo parou e
todos, sem exceção, precisaram repensar seu modus operandi para dar
seguimento às suas atividades e obrigações, e como não poderia deixar de ser, tal
reflexão também foi imposta às Cooperativas.
A mudança do presencial para o virtual que
poderia ter sido pensada e implementada com um amplo cronograma, baseado em
testes e validações, se tornou uma necessidade imperiosa e emergencial. Uma
necessidade que não poderia ser atendida, por sua vez, sem a devida observação
da Lei Geral de Proteção de Dados[1], a
LGPD, que naquele momento estava prestes a entrar em vigor no Brasil.
Evidentemente que as adversidades das Cooperativas,
no que concerne ao tratamento de dados pessoais são independentes das Assembleias
Gerais serem realizadas de modo presencial ou virtual, afinal a lei se aplica
tanto ao tratamento de arquivos físicos quanto digitais.
Frente ao novo cenário, uma das grandes dificuldades
enfrentadas pelas Cooperativas, passou a ser então como garantir a segurança no
tratamento dos dados pessoais dos titulares para o pleno exercício do direito
de voto e cumprimento das demais obrigações dentro dos prazos legais impostos às
Assembleias Gerais.
Na governança dos dados pessoais dos cooperados
e associados, os administradores, cuja responsabilidade é conferida através da
Política Nacional de Cooperativismo[2], passam
a contar com o auxílio de um novo profissional, denominado pela LGPD como
Encarregado, o que seria semelhante à figura do DPO (Data Protection Officer)
no Regulamento Europeu (Regulamento Geral de Proteção de Dados[3]).
Esse profissional
chega às Cooperativas com a tarefa de auxiliar o gestor a exercer suas atividades,
de modo que cada um se concentre nas especificidades de suas funções. De um
lado o gestor, garantindo o exercício da democracia, de outro o profissional de
proteção e segurança de dados, proporcionando que o processo seja realizado de
forma segura.
Mas os desafios não
são poucos! Um dos grandes desafios a que esse profissional é submetido, é o de
fazer com que os princípios elencados no art. 6º da LGPD sejam incorporados nas rotinas das Cooperativas, assim como os direitos dos
titulares, relacionados no art. 7º, sejam assegurados durante todo o ciclo de vida
dos dados.
Vale destacar que as
demandas do profissional de proteção e segurança de dados não se limitam ao
cumprimento dos aspectos jurídicos exigidos, muito pelo contrário, a
complexidade de suas atividades o impulsiona a enfrentar também desafios
tecnológicos, de gestão de processos e éticos no exercício de suas funções.
Sob a perspectiva
tecnológica, cabe a este profissional garantir aos dados pessoais dos titulares,
a confidencialidade, integridade, disponibilidade e autenticidade necessárias
para que a democracia seja exercida, permitindo assim que as Cooperativas, cumpram
com o seu papel na sociedade.
Confidencialidade, integridade,
disponibilidade e autenticidade remetem à ética necessária para o exercício da
democracia. Trata-se aqui de valores e apelos.
Mas a urgência ética não se encontra nem na tecnologia
nem na política, no sentido estrito da prática. Ela se encontra nos rostos. Visages[4],
escreveu Emmanuel Lévinas. Ele
pontuou muito bem que só a moral é alcançada por um pensamento abstrato-categórico;
e a concretude da ética tampouco se submete inteiramente a um plexo
lógico-procedimental. Complexo, não é o que sempre nos parece? Bastante lembrar
de Crime e Castigo[5],
de Dostoiévski. Os problemas éticos
expostos aí são intratáveis pela abstração ou qualquer forma sequencial de
análise. No entanto, indiscutível que seu protagonista seja um personagem
universal: ele fala de todos nós, sem exceção.
Também Gogol e Tchekov foram hábeis em nos dar
personagens assim. Muito por conta da identidade cultural deles com a raiz
bizantina marcadamente iconográfica.
Todo ícone carrega intencionalidade, visceralidade e dramaticidade. Não
são “pilares”; são rostos. Visages.
Confidencialidade, integridade,
disponibilidade e autenticidade dão coesão ao desafio das assembleias digitais
das Cooperativas, mas também são divisores de águas. São o oceano, mas também o
quebra-mar. Porquê? O profissional lida com os pilares. E o gestor? Claro! Com os rostos dos cooperados.
A LGPD traz nela muito de conceção e visão de
mundo próprias da cultura de integridade e conformidade que é um rebento da
sociedade e gestão de riscos. Ao se
examinar a literatura de integridade
e conformidade (compliance), a
expressão “pilar” é recorrente. Os “pilares” costumam variar de número e de
nomenclatura. Porém, eles têm algo em comum: são construtos. Estão mais ligados à ideia de fundação
encontrada na engenharia. Pois são funcionais: visam um resultado já dado desde o início: uma eficácia para
o que se apresente por “estar em conformidade”,
como se os pilares da terra existissem sempre para se erguer catedrais. No
nosso caso, em breve analogia à gestão, são catedrais de processos e normativas,tópico
de intervenção do profissional de proteção de dados. Mas, catedrais nunca serão
universais por mais funcionais que
sejam para uma pretensão neste sentido. O que for universal será algo mais visceral. O fundamento fenomênico da integridade nunca é construído, mas percebido
num (bom) senso.
O profissional de Proteção de Dados é neste
cenário, o meio, o “pilar” que faz a conexão entre o propósito das Cooperativas
e os desejos e garantias dos titulares cooperados e associados. Via de
consequência, é possível revelar que parte do desafio enfrentado por ele é o de
perceber a dinâmica de funcionalidade da Cooperativa e seus complexos fluxos de
processos.
A compreensão de qual é a finalidade da Cooperativa
e da Assembleia Geral, que em linhas gerais é o desenvolvimento local e a
gestão democrática, deve ser perquirida de forma pormenorizada pelo
Profissional de Proteção de Dados, a fim de que os dados pessoais sejam
devidamente protegidos, sem que isso tire o protagonismo do propósito da
Cooperativa.
[1] Lei 13.709/18
[2] Lei nº 5.764, de 16 de
dezembro de 1971
[3] Regulamento (UE) 2016/679
[4] Ética e infinito. Tradução: João Gama. Lisboa: Edições 70, 1982
[5] Trad. Oleg
Almeida. São Paulo : Martin
Claret, 2013
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