Está em cartaz o mais recente
lançamento cinematográfico do universo Marvel:
Pantera Negra. Por inovação, agrega valor ao
enfrentar francamente o desafio de se servir de um argumento politicamente
sensível a críticas severas por organizações civis que se dispõem a um exame
minucioso de produtos deste jaez, eis que advém de um empreendimento global e
de capital intensivo, mas particularmente sensível a impactos negativos de
reputação no seu retorno financeiro.
Bem, o filme foi lançado e
ninguém logrou repercussão com um discurso que expressasse ofensivo o
tratamento dado pelo produto à identidade racial enfocada. Neste sentido, a obra já é socialmente bem
sucedida e mostra-se assim hábil a uma abordagem sobre o imaginário social da ofensa. O que será feito em vôo de passarinho.
O seu cenário principal é um
fantástico reino no coração da África.
Seu enredo se desenrola em conturbada sucessão dinástica que impacta o
destino de uma sociedade híbrida entre a tradição tribal e o manejo
intensificado de capital e tecnologia.
Trata-se de uma alegoria dos EUA, referente às suas capacidades
produtivas e liderança tecnológica (particularmente manifestas na indústria de
armamentos) e seus dilemas, tanto a
sócio-racial como de relações internacionais.
O dilema sócio-racial é presente entre escolhas políticas, uma marcada
pela manipulação de conflitos, oposta à outra, cooperativa e conciliatória. Quanto ao relacionamento internacional, o dilema é apresentado entre uma postura de
preservação da identidade nacional e fechamento de fronteiras (muros) e outra de integração
global (pontes).
Para que a alegoria restasse inteligível,
o argumento recorreu a um jogo entre identidade e diferença a partir da relação
estabelecida entre singularidade e universalidade num horizonte de segundo
plano. Neste horizonte secundário, a
estética delineia a especificidade e a lógica tecno-científica, a
universalidade. Este é o horizonte de
todo universo Marvel.
A partir da compreensão da
relação hoje existente entre a estetização do mundo pela consumação por
dispositivos e uso hiperbólico de técnicas e procedimentos, pode-se perceber o
excesso performático que impacta a percepção atual da possibilidade como
sentido de risco e o perigo como sentido do devir para o Estado,
enquanto o discurso teorético insiste em tratar o bem-estar como positivação da
dignidade humana e como condição definidora dos bens jurídicos a serem protegidos
antecipadamente à lesão. Em outras
palavras, resta saber se as teorizações atuais acerca da relação entre Estado e sociedade têm sido hábeis, ou não, em guardar a prudente distinção entre os bens éticos e
estéticos.
Aparentemente, essa distinção é fácil, eis que a
estética se voltou até a modernidade matutina, ao ideal de beleza. Enquanto a ética, ao que é bom. Mas, no limiar entre o bom e o belo está o
agradável, onde emerge o problema fundamental do bem-estar. Questão sobre a qual até os gregos do tempo
de Platão já se debruçavam. Os heróis da Marvel chamam para si uma vivência desagradável a fim de
que todos os demais possam viver em bem-estar.
O desagradável aí já é uma expressão laica da ética cristã em face à
narrativa trágica pensada pelos gregos antigos. Mas, há algo
de diferente na modernidade vespertina:
na desdefinição ágil dos indivíduos pelas individualizações sempre
transitórias, tal como proporcionadas pela cumulação dispositiva da consumação
performática, há o vazamento dos valores positivados na moral e no Direito: a
estética não se deixa limitar ao belo e passa a explorar sobremaneira as
percepções sensoriais nas significações possíveis com o uso de linguagens. O que acontecia somente em deslocamentos
excepcionais em relação ao cotidiano, e portanto, em espaços marginais, passa a
ser central no manejo procedimental dos conceitos. Pelos
vazamentos conceituais dos valores, a estética se tornou colonizadora da moral
e Direito contemporâneos.
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