terça-feira, 11 de março de 2014

Fé é para criança


Eu reparara que a escola de minha filha não tinha programado um evento para o dia dos pais.  Quando lhe perguntei sobre isso, veio esta resposta:  "É que tem colegas sem pai na escola e eles vão ficar tristes, se tiver festa."

"Não é uma boa ideia que a escola deixe de celebrar a paternidade, porque alguma criança vai sofrer com isso.  Não quero uma escola que não queira que você viva o sofrimento que você tiver para sofrer". 

Não me esqueço o olhar que ela lacrimejou: "Pai, você é cruel!", foram exatamente essas as palavras que ela murmurou.  Minha menina de 8 anos. 

"Filha, o que tenho de mais precioso para te dar, eu já te dei.  E eu pude te dar, porque alguém também me deu.  É a memória do Cristo.  Mesmo que eu morra, você não ficará sozinha; você já sabe:  o Cristo está vivo e está contigo como está com cada um de seus colegas sem pai.  É com essa lembrança que eles e você vão se sair bem do maior sofrimento de suas vidas. Porque pode ser como já foi com os primeiros cristãos. Eles foram jogados aos leões, mas eles cantaram bem alto para todo mundo ouvir.  Eles estavam lá no circo para que seus gritos servissem de diversão e depois serem esquecidos.  Mas, eles cantaram. E ganharam Roma.  Com o que eles deram aos filhos deles e dos filhos aos filhos até hoje - a lembrança do Cristo - vocês também vão encontrar forças para cantar.  Quando vocês tiverem perdido tudo, vocês vão cantar e vão ganhar um mundo novo.  Prefiro uma escola que ensine a sofrer do que uma que acha melhor deixar o sofrimento do lado de fora". 





"Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição.  Vinde, Senhor Jesus!"   Assim ensina a Igreja Católica aos fiéis dizerem em coro, alto e bom som numa oração eucarística.

O que há de especial nisso?  Num apertar de botão e o Google lista uma série de deuses e homens que morreram e depois reapareceram. 

O que há de único na estória de Jesus aparece numa carta escrita uns 30 anos depois de sua crucificação:

Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado; o qual também recebestes, e no qual também permaneceis.

Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão.

Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras,

E que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze.

Depois foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também.

Depois foi visto por Tiago, depois por todos os apóstolos.

E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo.

Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus.

Então, não é uma narrativa mítica ou lendária.  Há algo a mais nessa carta: um testemunho por muitos de acontecimentos extraordinários. Que, em 30 anos, já encontravam uma expressão coletiva de fé.    A glorificação penetrou rápida e profundamente na história. De modo a ser impossível distinguir o personagem histórico do mistério glorioso de seu reaparecimento. 

Mas, você pode sorrir e contar tantas outras estórias sobre pessoas que juram ter visto ETs em Varginha e do Elvis, que ainda se hospeda nos hotéis de Las Vegas...  Outrossim,  retocar biografias é ganha-pão para profissionais.  

Então, por que se render sem reservas a essa em especial?  Por que anunciar, proclamar e esperar aberta e publicamente por alguém que, mortinho da silva, ressuscitou, ascendeu ao céu de onde voltará um dia que ninguém sabe quando será?  Isso soa tão incrível que parece melhor mesmo ser professada essa fé mais subjetiva possível.
    
Então, para que a fé comunitária no querigma1?

Isso é assunto para quem gosta de teologia.  Mas, voltando ao dia daquele diálogo com minha filha, os olhos da minha menina se secaram. Disseram o que ela ainda tinha para me dizer.  Eu soube que, naquele dia, o anúncio, a proclamação e a espera fizeram sentido para ela.

1 kerissein é o verbo grego utilizado pelos primeiros cristãos para se referirem à ação apostólica de primeiro anúncio, que não era somente aquele para a abordagem dos pagãos e judeus, mas também do essencial em ser cristão: crer verdadeiras a morte, ressurreição, ascensão e volta (prometida) do Verbo encarnado.

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