sexta-feira, 14 de março de 2014

Fé é para todos

Esta semana, escrevi no post anterior, que fé é para criança e comentei que a causa final do querigma é assunto para quem gosta de teologia.

Mas, quiçá seja possível dizer dessa razão no contexto de hoje para quem nunca se dedicou ao assunto.

Recordando, kerissein é o verbo grego utilizado pelos primeiros cristãos para se referirem à ação apostólica de primeiro anúncio, que não era somente aquele para a abordagem dos pagãos e judeus da época, mas também do essencial em ser cristão: crer verdadeiras a morte, ressurreição, ascensão e volta (prometida) do Verbo encarnado.

O Verbo é uma expressão que diz do mistério da Santíssima Trindade.  O dogma cristão afirma que a Santíssima Trindade é o Pai, o Filho e o Espírito Santo.  Deus se revela (Dei Verbum) em 3 Pessoas.

Qual sentido contextual para o hoje?  Os parênteses na abordagem.  Se a Ss. Trindade sempre é (composta de) Pai, Filho e Espírito, é (relação entre) Pai, Filho e Espírito no contexto de hoje.  A tradição importa em dizer quem é cada uma dessas Pessoas.  A teologia contemporânea aprofunda o estudo de significados nas relações entre essas Pessoas.

Uma conclusão muito interessante e imediata: Se Deus é amor, é comunidade, eis que não é solidão - aniquilação de alteridade.
 
O querigma no contexto de hoje então não só diz do que tenho a dizer ao outro, mas sobretudo do que diz do outro para mim para que eu tenha algo de amoroso para dizer a ele. 

É o que o Papa Francisco veio dizer como Luz da Fé"A experiência do amor diz-nos que é possível termos uma visão comum precisamente no amor.  Neste, aprendemos a ver a realidade com os olhos do outro e isto, longe de nos empobrecer, enriquece nosso olhar". 

O querigma se apresenta hoje como sempre: um desafio à compreensão humana, mas evidente na sua afetividade.  Hoje, nossos receios de cerceamento da liberdade e da perda da autonomia do sujeito por imposições intransigentes têm nos obrigado a exilar a verdade nos fatos e cálculos e a encarcerar o amor no interior dos nossos afetos. O que até é capaz de confortar o indivíduo, mas faz o amor difícil de ser proposto como realização comum.

Então, o querigma também é o que o Papa Francisco veio dizer como Alegria do Evangelho


"Confessar um Pai que ama infinitamente cada ser humano implica descobrir que 'assim lhe confere uma dignidade infinita'.  Confessar que o Filho de Deus assumiu a nossa carne  humana significa que cada pessoa foi elevada  até ao próprio coração de Deus.  Confessar que Jesus deu o seu sangue por nós impede-nos de ter qualquer dúvida acerca do amor sem limites que enobrece todo ser humano.  A sua redenção tem um sentido social, porque 'Deus, em Cristo, não redime somente a pessoa individual, mas também as relações sociais entre os homens'.  Confessar que o Espírito Santo atua em todos implica reconhecer que Ele procura permear toda situação humana e todos os vínculos sociais: 'O Espírito Santo possui uma inventiva infinita, própria da mente divina, que sabe prover a desfazer os nós das vicissitudes humanas mais complexas e impenetráveis'.  A evangelização procura colaborar também com esta ação libertadora do Espírito.  O próprio mistério da Trindade nos recorda de que somos criados à imagem desta comunhão divina, pelo que não podemos realizar-nos nem salvar-nos sozinhos.  A partir do coração do Evangelho, reconhecemos  a conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana, que se deve necessariamente exprimir e desenvolver em toda a ação evangelizadora.  A aceitação do primeiro anúncio, que convida a deixar-se amar por Deus e a amá-Lo com o amor que Ele mesmo nos comunica, provoca na vida da pessoa e nas suas ações uma primeira e fundamental reação: desejar, buscar e cuidar do bem dos outros."

terça-feira, 11 de março de 2014

Fé é para criança


Eu reparara que a escola de minha filha não tinha programado um evento para o dia dos pais.  Quando lhe perguntei sobre isso, veio esta resposta:  "É que tem colegas sem pai na escola e eles vão ficar tristes, se tiver festa."

"Não é uma boa ideia que a escola deixe de celebrar a paternidade, porque alguma criança vai sofrer com isso.  Não quero uma escola que não queira que você viva o sofrimento que você tiver para sofrer". 

Não me esqueço o olhar que ela lacrimejou: "Pai, você é cruel!", foram exatamente essas as palavras que ela murmurou.  Minha menina de 8 anos. 

"Filha, o que tenho de mais precioso para te dar, eu já te dei.  E eu pude te dar, porque alguém também me deu.  É a memória do Cristo.  Mesmo que eu morra, você não ficará sozinha; você já sabe:  o Cristo está vivo e está contigo como está com cada um de seus colegas sem pai.  É com essa lembrança que eles e você vão se sair bem do maior sofrimento de suas vidas. Porque pode ser como já foi com os primeiros cristãos. Eles foram jogados aos leões, mas eles cantaram bem alto para todo mundo ouvir.  Eles estavam lá no circo para que seus gritos servissem de diversão e depois serem esquecidos.  Mas, eles cantaram. E ganharam Roma.  Com o que eles deram aos filhos deles e dos filhos aos filhos até hoje - a lembrança do Cristo - vocês também vão encontrar forças para cantar.  Quando vocês tiverem perdido tudo, vocês vão cantar e vão ganhar um mundo novo.  Prefiro uma escola que ensine a sofrer do que uma que acha melhor deixar o sofrimento do lado de fora". 





"Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição.  Vinde, Senhor Jesus!"   Assim ensina a Igreja Católica aos fiéis dizerem em coro, alto e bom som numa oração eucarística.

O que há de especial nisso?  Num apertar de botão e o Google lista uma série de deuses e homens que morreram e depois reapareceram. 

O que há de único na estória de Jesus aparece numa carta escrita uns 30 anos depois de sua crucificação:

Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado; o qual também recebestes, e no qual também permaneceis.

Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão.

Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras,

E que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze.

Depois foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também.

Depois foi visto por Tiago, depois por todos os apóstolos.

E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo.

Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus.

Então, não é uma narrativa mítica ou lendária.  Há algo a mais nessa carta: um testemunho por muitos de acontecimentos extraordinários. Que, em 30 anos, já encontravam uma expressão coletiva de fé.    A glorificação penetrou rápida e profundamente na história. De modo a ser impossível distinguir o personagem histórico do mistério glorioso de seu reaparecimento. 

Mas, você pode sorrir e contar tantas outras estórias sobre pessoas que juram ter visto ETs em Varginha e do Elvis, que ainda se hospeda nos hotéis de Las Vegas...  Outrossim,  retocar biografias é ganha-pão para profissionais.  

Então, por que se render sem reservas a essa em especial?  Por que anunciar, proclamar e esperar aberta e publicamente por alguém que, mortinho da silva, ressuscitou, ascendeu ao céu de onde voltará um dia que ninguém sabe quando será?  Isso soa tão incrível que parece melhor mesmo ser professada essa fé mais subjetiva possível.
    
Então, para que a fé comunitária no querigma1?

Isso é assunto para quem gosta de teologia.  Mas, voltando ao dia daquele diálogo com minha filha, os olhos da minha menina se secaram. Disseram o que ela ainda tinha para me dizer.  Eu soube que, naquele dia, o anúncio, a proclamação e a espera fizeram sentido para ela.

1 kerissein é o verbo grego utilizado pelos primeiros cristãos para se referirem à ação apostólica de primeiro anúncio, que não era somente aquele para a abordagem dos pagãos e judeus, mas também do essencial em ser cristão: crer verdadeiras a morte, ressurreição, ascensão e volta (prometida) do Verbo encarnado.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Amor: Missão e Submissão


Há dois versículos da Carta de São Paulo aos Colossenses que dão panos para manga:



"Vós, mulheres, sede submissas a vossos maridos, como convém no Senhor.  Vós, maridos, amai vossas mulheres e não as trateis asperamente".



Um olhar político que examina a sociedade de hoje à partir da sociedade hebraica da época como arcaica irá denunciar os resquícios patriarcais que a expressão remete.  Mas, se o olhar se detém aí, perde o que há de salvífico e poético no que São Paulo expressa do amor.

Outro dia, estava lendo uma passagem de Isaías (55:10-11) e notei uma correlação possível entre ambos os textos:

"Assim como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para eles sem regarem a terra e fazerem-na brotar e florescer para ela produzir semente para o semeador e pão para quem come;
"Assim é com a palavra que sai da minha boca: ela não voltará para mim vazia; mas fará o que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei."

O patriarcalismo é história.  Passa.  Mas, a fertilidade da terra que se submete à chuva mansa do céu é sustentabilidade para a vida.

Quem é amada já se faz amável para quem ama.  

E se o amor não conta, para que e a quem servem intermináveis ajustes de conta conjugais?  

Dignidade sempre.  E é tempo de quaresma.  Também, tempo de perdão e reconciliação.