terça-feira, 19 de abril de 2022

Pensando & Conhecendo XLV

 Anton Tchekhóv é o mais celebrado dramaturgo do Teatro de Arte de Moscou para o qual escreveu 4 peças impactantes.  Não é acaso, ele também se notabilizou por servir-se de um gênero literário até então considerado menor - o conto - como suporte para textos inesquecíveis.  Pois, Tchekhóv nunca deixou de exercer medicina.  Dizia que ela era a sua esposa; a literatura de ficção, sua amante.   Longe de constituírem atmosferas rivais por onde ele transitava, elas eram um mesmo ambiente vivido.  A esposa era amiga da amante.  O realismo dos textos de Tchekhóv era manejado em tal modo que o leitor é convocado a subjetivar, sem o quê o sentido do texto não se lhe apresenta. 

O seu longo texto intitulado Ilha de Sacalina,  uma mescla de relatório de pesquisa de campo e ensaio jornalístico traz características que bem indicam o estilo do autor.  E, não por acaso, também antecipa em décadas implicações epistemológicas que viriam a ser postuladas pela etnografia entre observação e narração; entre drama e anamnese.  Ilha de Sacalina se constitui como um diário de bordo de uma viagem-intervenção.  Se apresentando no campo como pesquisador, mas escrevendo como jornalista, o texto é narrado em primeira pessoa.  O recurso linguístico tem um enorme significado.   Sem em nenhum momento deixar de realizar um relato metódico, as descrições tampouco recalcam as impressões no acontecimento que é a observação.  Tchekhóv tem em mente que trata de duas vivências integradas:  a que é descrita (1) e a do descrever (2).  É um estranho íntimo. 

A produção científica requer uma objetividade necessária.  Mas, a genialidade de Tchekhóv foi antever que a objetividade não se reduz a um objetivismo formal.   A impressão é sempre parte integrante do processo de produção de um texto descritivo.  René Lourau notará muitos anos depois que um texto assim escrito como esse que o Tchekhóv publicou enuncia a sua própria produção, liberando-se da pretensão de um conhecimento definitivo sobre o objeto.  É um devir feminino do texto que é liberado, quando no texto se inclui o seu fora, porque cria um plano em que pesquisadores e pesquisados se dissolvem como entidades definitivas e pré-constituídas.



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