terça-feira, 27 de julho de 2021

Pensando & Conhecendo XXXII

Byung-Chul Han apropriou as sociedades europeias medievais, modernas e contemporâneas respectivamente pelo martírio, disciplina e desempenho.  O que, por um signo, as identifica e em sincronia as diferencia como épocas?  Dor é signo.  Pelo martírio, a dor é gloriosa, purificação ou expiação.  Pela disciplina, condicionamento ou formação.  Mas para o desempenho, a dor é absurda; má per se, só pode significar disfunção.

Como signo, a dor é compositiva com a felicidade – o feliz superou a dor e finalmente descansa.  Quando a dor perde significação positiva para a automotivação e otimização performática, a felicidade se torna dispositiva: ela é coativa – um direito humano, uma máxima moral.  Aí, a liberdade deixa de se opor e resistir à vigilância.  A vigilância, por sua vez deixa de ser imposição pela disciplina; ainda que se mantenha regular.  A vigilância é liberdade regulada:  “a coação por conformidade e a pressão por consenso crescem. (....)  Em vez de debater e lutar pelos melhores argumentos, entregamo-nos à compulsão por sistema”.  (Sociedade Paliativa.  Petrópolis, RJ : Vozes, 2021, p. 10.)     Esta decadência é um perigo residual de um excesso de positividade numa cultura de conformidade.



Pensando & Conhecendo XXXI

 

Para se conhecer nexos causais, há uma interessante distinção a ser considerada entre dois tipos de proposições: as categóricas e as téticas.  As proposições categóricas expressam relações. “Eu vi algo e era azul”. As duas proposições são categóricas: na relação em que uma visão se deu, mostrou-se de algum modo, enquanto a visão e a mostra sejam aí incondicionais: Eu sempre vejo isso ou aquilo; conquanto algo seja sempre assim ou assado.  As proposições téticas, por outro lado, não lidam com relações, mas com disposições.  As constatações são téticas: “Algo azul estava diante de mim”.  As proposições categóricas apresentam um acontecimento e apontam para a noética: o aparecimento de sentido; enquanto as proposições téticas apresentem um dado e apontem para a hilética: o aparecimento de corpos. 

É visão o sentido ideal (um valor sensorial de cor) que se doa ao que nos é dado pelo ambiente de cujo horizonte de indeterminação o evento percebido se nos destaca à consciência. E é nesse sentido avaliativo que há a identificação sensorial do percebido como uma totalidade – algo azul - ao que nos é dado à percepção – a noética, que é sempre parcial e dependente de uma perspectiva do próprio corpo – a hilética.  Na nuance conceitual entre assertiva noética/categórica e hilética/tética se pode compreender as hipóteses para além do estrito contexto metodológico, mas como necessidade neguentrópica do conhecimento entre a vivência pessoal (para si) ainda que amplamente compartilhada e o que seja real (para todos).



domingo, 4 de julho de 2021

Pensando e Conhecendo XXX

Não pode ser confundido com um sujeito solipsista o ente universal pressuposto como alguém que crê e busca por si justificativa em suficientes evidências (dados probantes) da verdade. Exatamente por isso, a epistemologia dedica tanta importância ao testemunho. A sócio-historicidade radical do conhecimento encontra acesso epistêmico por ele.  Em particular, para o Direito Penal Econômico, uma variante do testemunho precisa ocupar um lugar central, se se quer resgatar a necessidade da epistemologia numa caracterização rigorosa do que seja verdade: o argumento de autoridade.  Ou seja, diante da proposição de alguém investido de autoridade, trata-se de avaliar as evidências que justificam crer no que ele assevera como verdade.  Mas, essas evidências não são exatamente as mesmas de uma proposição de primeira mão, ou justificativa individual.

A epistemologia social surge das evidências de credibilidade com que se justifica a crença transmitida entre pessoas no contexto coletivo ou institucional.   Não somente se crê em algo, eis que imediatamente está relacionado a crer prima facie no que propõe alguém por deferência a ela, o que torna possível partilhar conhecimento como um bem comunitário.  Mas, a confiança epistêmica é específica e intransferível a cada proposição.  Ou seja, a autoridade epistêmica advém da reconhecida capacidade em transmitir conhecimento.  Ela não se confunde com a investidura de autoridade, seja moral, militar, política, religiosa, técnica, científica ou de qualquer outra ordem. A deferência se relaciona com a investidura, mas a preponderância dessa investidura como determinante da aceitação é evidência de uma crença potencialmente injustificada em termos epistêmicos.