MINHA APRESENTAÇÃO PARA A 2a. EDIÇÃO
1.
A promulgação da Lei 13.806/2019 trouxe mais
pertinência para a reedição dos Elementos
de Direito Cooperativo, uma vez que ela toca num ponto nevrálgico
entre identidades e diferenças da
sociedade cooperativa para o Direito. Essa Lei introduz no regime societário brasileiro um
instituto que, até então, no Direito Privado, era coisa só para associações - a
substituição processual na defesa de direitos transindividuais:
Art. 88-A. A
cooperativa poderá ser dotada de legitimidade extraordinária autônoma
concorrente para agir como substituta processual em defesa dos direitos
coletivos de seus associados quando a causa de pedir versar sobre atos de
interesse direto dos associados que tenham relação com as operações de mercado
da cooperativa, desde que isso seja previsto em seu estatuto e haja, de forma
expressa, autorização manifestada individualmente pelo associado ou por meio de
assembleia geral que delibere sobre a propositura da medida judicial.
Com uma pitada de ironia, poder-se-á anunciar que
há um sentido atual para a extravagância na Lei 5.764/71. Isso porque, diante da escala econômica e
sofisticação operacional de muitas cooperativas pelo mundo, parece natural e
até necessário pensá-las como uma iniciativa empresarial. Isso assim é, aliás, positivado amiúde, o que
pode ser aferido num esforço investigatório na seara do Direito Comparado,
mesmo que só num voo de passarinho. O
conceito de empresa é plástico até a sua identificação com qualquer sujeito ou
centro autônomo de imputação jurídica, seja privado ou público, que desenvolva
atividade operacional relevante do ponto de vista econômico.
Se formos categóricos em afirmar que, em toda
cooperativa, aparece uma empresa, a tramitação do processo legislativo que
culminou na Lei 13.806/2019 irá manifestar a tensão que qualquer alusão às
cooperativas em geral carregará no esforço de delineamento da sua especificidade.
O projeto de lei teve sua iniciativa no Senado
Federal (PL 93/2013). O Sen. Antônio
Carlos Valadares a justificou como suprimento à carência acusada pelo STJ no
REsp 901.782, assim ementada:
O
artigo 4º, X, da Lei 5.764/71 dispõe que as cooperativas são sociedades de
pessoas, tendo por característica a prestação de assistência aos associados.
Nessa linha, é possível que a cooperativa propicie a prestação de assistência
jurídica aos seus cooperados, providência que em nada extrapola os objetivos
das sociedades cooperativas. Contudo, à míngua de expressa previsão legal, a cooperativa
não pode litigar em juízo, em nome próprio, defendendo alegado direito dos
cooperativados. O artigo 83 da Lei 5.764/71, mesmo em interpretação sistemática
com os demais dispositivos do referido diploma legal, não permite inferir que a
Lei tenha previsto a substituição processual para esse fim.
A
menção ao art. 83 precisa a intenção com que a pretendida legitimidade
postulatória em juízo, no Congresso Nacional, focou o cerne de atividades
operacionais no agronegócio. Disso não
fez segredo o Dep. Otávio Leite no seu parecer proferido na qualidade de
relator nomeado pela comissão de desenvolvimento econômico da Câmara, quando o
projeto ali tramitou sob o registro 3748/2015.
Ele conta que o caso a dar ensejo ao projeto de lei dizia respeito ao
litígio entre rizicultores e a CONAB, e tinha por objetos contratos de
comercialização sem a interveniência da cooperativa de São Lourenço do
Sul. Muito embora nela repercutisse os
efeitos contratuais, já que o arroz era estocado pela cooperativa na forma do
citado art. 83. Portanto, o contrato,
ainda que assinado pelos cooperados diretamente com a CONAB, dizia respeito a
operações nas quais havia decorrências na prática habitual de atos
cooperativos. Segundo o Deputado:
O caso relatado merece a nossa atenção, pois
pragmaticamente haveria todo o sentido a cooperativa proteger os interesses de
seus cooperados na questão trazida à luz. Por uma falta de previsão legal,
embaraça-se a atividade da cooperativa na defesa do interesse de seus
cooperados. Tantos outros casos parecidos certamente ocorrem no mundo jurídico
envolvendo operações de cooperados que, em conjunto, têm seus direitos
desrespeitados ou interesses contrariados. Reconhecendo essa possibilidade e
dando vida ao parágrafo segundo do art. 174 da Constituição, segundo o qual a
lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo,
este projeto de lei é digno de nosso apoio.
O Parlamento recorreu ao signo das associações em
discurso no qual resta retraída a empresa como categoria própria para o Direito
Cooperativo, ainda que esteja o tempo todo interessado pragmaticamente em
favorecer o agronegócio pela via das cooperativas. Aliás, a Senadora Gleisi Hoffmann se
justificou em seu voto condutor na Comissão de Constituição de Justiça:
A
tutela coletiva dos direitos dos cooperativados afigura-se completamente em
sintonia com o princípio do acesso à Justiça, por facilitar a defesa de
direitos de pessoas que de outra forma não teriam como ingressar com ação
judicial, ou ainda, por exemplo, proporcionando escala suficiente para a defesa
de direitos que, individualmente considerados, não viabilizariam uma ação
judicial devido a pouca expressão econômica.
Ora, uma alusão explícita à hipossuficiência na
ordem econômica destoa no imaginário com a categórica presença empresarial no
agronegócio. Então, no Parlamento,
diante da situação posta pelo precedente do STJ, cooperados não estão
representados como sócios de uma empresa do agronegócio. São produtores rurais associados em cooperativa. Aí, entre ser e não ser categórico, há uma
lógica não linear: A=A ● B=B ® A≠B não dá conta do real. O cooperado, assim sendo, é e também não é,
naquilo que dele se alude por empresa na
cooperativa como objeto do conhecimento.
E por que digo isso?
Na etimologia, categoria significa: pela interrogação, caminho de cima
abaixo. Na filosofia moderna, aquilo
que, em toda resposta, perfaz (organiza) no ente ele mesmo num objeto conhecido:
(re)presentação como reflexo transcendental de si no sujeito que o entende.
Categoria
é, em Kant, elemento de ordenação constitutiva, isto é, um apriori transcendental de todo conhecimento; a categorização é
intrínseca à razão pura[1] Só que categoria responde insistentemente por
uma decadência[2] moderna: a certeza. Queremos transformar, superar, progredir, mas
paradoxalmente queremos também que haja alguma permanência. Este é o fascínio da certeza. Toda cooperativa certamente é uma
empresa?
Temos aqui uma questão
elementar e ainda atual para o Direito Cooperativo.
É certo que a categoria em Kant responde
criticamente à metafísica num deslizamento do pensar para além dela. Mas, dela, permanece decadente o que se alude
com o radical etimológico katá. Pois é sabido que a metafísica imediatamente
anterior a Kant deriva de um magistério afetado pela catafasia: o conhecimento constitutivo do ser pela
repetição temporal de manifestações que se lhe são atribuídas. Em sua degeneração, a catafasia é um fenômeno
da linguagem a fazer
com que certamente se repita muitas vezes uma palavra ou frase. No limite, uma patologia que trai o próprio
sentido de certeza.
De certo modo, tomamos isso por natureza, porque
esse modo catafático de certificação do real naquilo que se manifesta do ser em
cada ente remonta à monumental obra de organização do conhecimento por
Aristóteles. Tão monumental que o
existente parece se confundir com o próprio conhecimento: organizar o
pensamento como reflexão necessária corresponderia a constituir todo ente no
mundo real, como tal.
Bem, mas não é bem assim. Ao atentarmos à patrística, avultará na
margem do devir, desde a teologia catafática até o aparecimento do humanismo
moderno, um magistério apofático: todo
conceito já carrega, em si, o afastamento deletério entre o conhecer e o ser.
É. Algo do que se diga pós-moderno
resgata algo da vetusta patrística. E não
há nada mais elementar do que se apresente por aí.
Há vacuidade na falação deitada aqui? Claro que há!
Mas, é dessa vacuidade que se constitui a universalidade nos personagens
de Dostoiévski. Na cooperativa, enquanto
certamente elas forem empresas, somente no seu subsolo essa universalidade se
fará presente. Porém, nas sociedades
anônimas, os homens do subterrâneo até podem ser afastados pelo darwinismo
concorrencial. Dada a democracia como
valor vital para a gestão de uma cooperativa, esses homens permanecem nela
aumentando o seu custo de transação. Cooperativas são empresas tendentes à
ineficiência competitiva, enquanto eles encharcam o solo com o ácido do
ressentimento até que o castelo de cristal ceda ruinoso, eis que, do subsolo,
os ratos, volta e meia, emergem como na peste de Camus:
Porque a morte do mundo é produzida in vitro, está em estado de
laboratório. No laboratório, a
tecnologia cria o mundo sob a forma de realidade. E mata as multiplicidades que, como bactérias
rebeldes, empanam o brilho da simplicidade das experiências. Morte in
vitro: podemos quebrar os vidros, como no início da Revolução Industrial os
operários quebravam as máquinas; mas de nada adiantaria, a peste se espalharia,
morte descontrolada e sem nenhuma piedade.
Podemos sair do laboratório, deixar para trás a realidade e seu controle
e cair na real. Cair na real: passar para o estado de guerra. Aqui tudo é explosão de multiplicidades,
multiplicações, alianças e traições – e nada é grave, tudo ri. Mas não haja ilusão: cair na real não é algo
simples, como saltar uma janela e ganhar a rua.
Cair na real é o espaço da mais cruel das batalhas, a que mais
violentamente sacudirá, em dor e espasmos, o corpo já ferido do Ocidente.[3]
2.
Universidade de São Paulo. Durante aqueles anos excepcionais para a democracia
brasileira. Ali, se encontravam Waldírio
Bulgarelli, Miguel Reale e Walmor Franke.
Mas, não somente ali. Em
Brasilia, também. Mais precisamente, na
Casa Civil. Não vem ao caso quantas
vezes eles pegaram avião dali para lá[4]. Ao caso vem que eles falavam de Direito
Privado. E também, animadamente, de cooperativas. Waldirio introduzira dois tópicos. O primeiro, a autonomia do Direito
Cooperativo em relação ao Direito Privado e ao Direito Público. Um Direito Social, comunitário. E o segundo,
umbilicalmente ligado ao primeiro, o ato cooperativo. Walmor Franke foi um gaúcho que falava melhor
alemão do que português (e, ouvi dizer, que tocava violino melhor do que
falava). Também um cooperativista, uma paixão herdada dos fundadores
das (der) Reifeissenbanken. Homem de confiança
do regime militar para assuntos jurídicos. Por sua vez, encarava o Direito
Cooperativo como um belo galho do tronco de um carvalho mais antigo: Direito
Cooperativo para ele era Direito das Sociedades Cooperativas. Um diálogo para lá de interessante,
filosofava Miguel Reale.
Passaram-se os anos e, desde 2002, elementos
desse diálogo e filosofia nos assombram de um modo inventivo. Para o Código Civil, cooperativa nunca será
uma sociedade empresária. Sociedade
Simples. Na unificação do Direito
Privado, um abismo intransponível se positivou para o Direito entre a Sociedade
Cooperativa e a Sociedade Anônima. Uma nunca será como a outra. E, por quê?
O ato.
Atrás de certezas, nos perdemos em interminável
debate sobre ele, o ato cooperativo, quando tínhamos um problema muito
pragmático para resolver: equacionar cargas tributárias que tornassem
competitivas num mesmo mercado sociedades que nunca se igualam. Waldírio e Walmor jamais imaginaram o tamanho
da enrascada em que se meteriam a Fazenda Nacional e contribuintes diante do
ato cooperativo. Nem os constituintes da
Carta de 88.
Eu pessoalmente, hoje em dia, culpo a Revolução
Francesa por isso. Por motivos
paroquiais deles lá, inventaram para o nosso imaginário que metafísica é uma
coisa caduca, obscura e desinteressante.
Só que a diferença entre ato e fato para o Direito é como o latim para o
português. Fica muito mais fácil
compreender do que se trata, quando se sabe metafísica.
Mas, nem latim, nem metafísica. Tem muita coisa mais importante para pensar,
ler, estudar, escrever. O mundo não para.
Os negócios urgem. O contencioso
só cresce. É uma pena. Do limão, a limonada: também é uma oportunidade. Latim e metafísica são assuntos convenientes
para quem não tem mais o que fazer.
Antes de ato predicado. O ato puro.
Eu sei. Isso é categórico a guisa
de análise. Evidentemente, catafático. Mas, é de propósito. Para São Tomás de Aquino, o que é ato
puro? Vontade manifesta na história, mas
sem forma alguma. Exemplo? Fiat lux.
O sentido aqui para a expressão forma
alguma é mistério. Não faz sentido
perguntar-se por alguma forma. Alguma
forma tem o fato, e não a tem o ato, necessariamente. Forma pura, só a lógica.
Considerando a metafísica, o ato cooperativo não
necessita de alguma forma. Cooperativo é
um predicado para o ato. Cooperação pode ser muito bem um valor, e não um
suporte fático para outros valores.
Assim é com o ato amoroso. Que o
digam os juízes de varas criminais, às voltas com a criminalização da
homofobia.
Mas, as cargas tributárias são resultados
matematizados a partir de fatos contábeis.
Tem que haver forma. Mais do que
isso, a forma que é determinante, e não o valor. O amor determina alguma carga
tributária? Então por que a cooperação
seria determinante? Então, por que
discutir sempre o ato? Ah, é porque está
na Constituição Federal. Então, porque o
adequado tratamento tributário é expresso ali, a cooperação no ato cooperativo
nada tem a ver com o amor? Há séria controvérsia
fenomenológica aqui.
Waldírio dizia que o ato cooperativo era a outorga de um mandato sem representação. Esta definição foi decisiva para a redação do art. 83 da Lei 5.764/71. Já em 2002, eu professava que um modo de compreender o que acontecia de fato em decorrência da manifestação da vontade como ato cooperativo era a analogo à substituição processual. De um ato cooperativo em prática, decorria possivelmente um fato contábil: a substituição contratual. A cooperativa pode operar habitualmente por conta do cooperado, mas em nome próprio perante terceiros sem haver qualquer distinção de seus interesses jurídicos e econômicos face aos de seus cooperados. Mas, quanto mais empresarial for a lógica operacional da cooperativa, mais por conta própria a cooperativa tende a atuar. Isso, por exemplo, se reflete na capacidade e necessidade de crédito a ser alavancado por ela mesma no mercado financeiro para financiar suas atividades operacionais. Que se tornam mais e mais distintas das capacidades e necessidades de seus cooperados, quando pessoalmente considerados. E, com isso, os interesses jurídicos e econômicos da cooperativa quedar-se-ão bem diferentes das dos seus cooperados. E o ato cooperativo se retrairá no horizonte da indistinção nos fatos que se apresentem sob a perspectiva mercadológica, em que pese o disposto no parágrafo único do art. 79 da Lei 5.764/71. Será um esforço digno de Sísifo demonstrá-lo. Mais do que isso, distingui-lo no mundo da vida[5]. Neste contexto, os precedentes judiciais de aplicação do CDC em litígios envolvendo cooperados e suas cooperativas de consumo. Ou, a CLT em outro ramo do cooperativismo. Ou, o CTN. Então, os cooperados são hipossuficientes em relação aos interesses e capacidades de suas cooperativas? Acontece, como já constataram muitos juízes. Daniel Sarmento, analisando as decisões do STF nos RREE 598.085 e 599.362, opinou:
[P]ode
haver incidência dos referidos tributos em relação à receita auferida pela
cooperativa, quando decorrente de atos externos voltados ao mercado que não
envolvam diretamente a produção, os serviços ou o trabalho de cooperados, e sim
de terceiros não associados. Tal incidência também ocorre, quando não se tratar
de autênticas cooperativas, mas de entidades que, apesar de formalmente
constituídas sob essa forma, desempenhem atividade tipicamente empresarial.[6]
3.
Hipossuficiência concorrencial. Quando enfrentei o desafio de distinguir
cooperativas de cartéis em debates no CADE, descobri que este é um elemento
próprio de ser cooperativa. Há sempre um
sentido de imperfeição de mercado no fenômeno constitutivo de uma
cooperativa. Ela é genuína, quando
manifesta uma necessidade de atribuição de algum poder compensatório aos cooperados
face a um oligopólio ou oligopsônio.
Ilustro.
Postos de gasolina. O histórico no CADE indica que basta você
piscar o olho e na sua vizinhança postos formariam um cartel. Mas, se postos de gasolina fundassem uma
cooperativa que compre em nome próprio combustível dos distribuidores e
precifique para os consumidores no bico da bomba? Houve um ato
cooperativo? Parece. Há alguma
possibilidade de ser lícita essa
solução? Nenhuma.
Mas, nem sempre será fácil distinguir o limite de
licitude, não obstante nos gritar a consciência do justo que cooperativas e
cartéis sejam coisas diametralmente opostas. De fato, é contraintuitivo. Mas, teorias econômicas costumam ser
contraintuitivas, mesmo. O princípio das
portas abertas permite que a cooperativa potencial e mesmo efetivamente se
comporte como um cartel, quando atuante em mercados com características
favoráveis a isso. Não depende tanto da
cooperativa, depende mais do mercado ser propenso a isso. Pelo menos, olhando para dados categorizados
em gráficos demonstrativos da teoria dos oligopólios, isso acontece. Então, em defesa da concorrência, haverá
mercados vedados às cooperativas? Ou que
a cooperativa seja obrigada a fechar suas portas para novos cooperados? Um problema de matiz constitucional, na
certa! Há solução alternativa que
permita o cooperativismo vicejar em qualquer mercado? Desde que ele se mostre imperfeito ou
tendente à imperfeição.
Sabemos que, perante a legislação vigente em defesa
da concorrência, irrelevante, ingênua mesmo a solução dada na Lei 5.764/71: no
mínimo, 20 pessoas físicas precisam ser cooperadas e as pessoas jurídicas que
sejam também cooperadas precisam ter as mesmas atividades delas, ou não terem
finalidade lucrativa. O problema é muito
mais íntimo ao acontecimento da cooperação na ordem econômica em relação à
concorrência no mercado. Para essa
distinção, até agora, o único modo experimentado no CADE em mercados propícios
passa por distinguir a cooperação da colusão.
Cooperação e concorrência coexistem na ordem econômica, sem o que ela conflitará
insuportavelmente com a ordem social por conta do elemento egóico no humanismo,
irmã do utilitarismo mais do que influente na formação clássica da
economia. A colusão é um desvalor, tanto
face à cooperação quanto à concorrência.
A cooperação, a concorrência e a colusão são
vitais. Ou seja, são entes axiológicos
manifestos nos modos de vida. A
cooperação manifesta necessariamente uma comunhão. Conquanto a colusão mitiga,
frustra mesmo a competitividade sem, no entanto, manifestar um estado de
comunhão num modo de vida.
Comunidades nunca formam cartéis. Mais do que
empresas, cooperativas são comunidades organizadas na ordem econômica. Como certa feita aleguei no CADE, há um
sentido de zugehörigkeit zur Hanse
que simplesmente não existe num cartel. Cooperativas podem assumir formas mais
parecidas com guildas medievais do que com cartéis modernos. Isso
porque cooperados não são redutíveis à representação como agentes econômicos
que dispõem de seus ativos num mercado orientados por seu apetite de ganhos ou
pelos riscos que estão dispostos a assumir.
No cartel, não há nenhum outro sentido para sua existência que não a
apropriação predatória de ganhos marginais num mercado. Cooperativas podem até praticar ilícitos
concorrenciais, mas não serão ilícitas per
se, não importa o que os gráficos de economia estejam delineando sobre o
comportamento. Embora, claro, o que
delineiem seja relevante para se encontrar soluções satisfatórias na defesa da
concorrência. Enfim, para sintetizar:
são elementos de Direito Cooperativo a comunidade e a imperfeição de mercado.
É, estou sendo catafático, eu sei. É para não incendiar pontes. Nessas pontes, meu amigo vai passar.
4.
Os antigos, com razão, diziam que todos os
caminhos levavam a Roma. Mas, nem sempre
eu quero chegar a algum lugar. Eu me encanto
com as flores nas beiras do caminho, me perco nas conversas com os viajantes,
sento numa pedra e me deixo ficar sem uma rota.
E isso me basta muito frequentemente.
Basta-me agora, aliás.
Basta-me, porque confio que o Renato sempre
chegue a Roma. Alguém precisa. Que seja ele, então. Ele planeja meticulosamente o trajeto; é
metódico toda vida; debalde os obstáculos, ele não descansa; não desfoca até
chegar lá. Conquanto eu tenha muito de
Estragon, ele definitivamente não é Godot.
Ele vem. Aqui eu o espero passar;
aqui onde estou: entre nenhum lugar e lugar algum. Paradoxalmente, mesmo que escolham diferentes
caminhos para chegar a Roma, todos, cedo ou tarde, mas nunca ao meio-dia,
passam por aqui.
Vai, Renato! E diga-nos o que você vê ao final deste caminho.
[1] São 12 as categorias: unidade,
pluralidade e totalidade; realidade, negação e limitação; constância
(substância), causa e interação;
possibilidade, existência e necessidade.
[2] Decadência aqui não tem um sentido
pejorativo, mas de degeneração. Apenas
expressa mais do mesmo. O que se repete
à exaustão só pode degenerar da sua genealogia em relação ao devir.
[3]
D´AMARAL, Marcio Tavares. Comunicação e diferença. Rio de Janeiro : Ed. UFRJ, 2004. Pp. 75-76.
[4]
Por mais amor que eu tenha pelos fatos,
também não vou complicar mais ainda a minha narrativa inserindo um quarto
personagem que atenderia pelo nome de Sylvio Marcondes.
[5] Toda
a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é
sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento,
faz calar todos os ídolos. No universo subitamente restituído ao seu silêncio,
elevam-se as mil pequenas vozes maravilhadas da terra. Apelos inconscientes e
secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da
vitória. Não existe sol sem sombra, e é preciso conhecer a noite. O homem
absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. Se há um destino pessoal, não há
nenhuma destinação superior ou, pelo menos, só existe uma, que ele julga fatal
e desprezível. No mais, ele se tem como senhor de seus dias. Nesse instante
sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu
rochedo, contempla essa seqüência de atos sem nexo que setorna seu destino,
criado por ele, unificado sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua
morte. Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que
quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O
rochedo continua a rolar. (CAMUS, Albert. O Mito
de Sísifo. http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-books/Albert%20Camus-2.pdf)
[6]
Conclusão d do parecer de 20/06/2016
em resposta à consulta formulada pela Federação Brasileira de Cooperativas de
Anestesiologistas, que postula seu reconhecimento como amicus curiae no RE 672.215, cuja tese 532 de repercussão geral é a
incidência de COFINS, PIS e CSLL sobre o produto de ato cooperado ou
cooperativo.
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