quinta-feira, 12 de junho de 2014

Posse no Instituto dos Advogados Brasileiros


Ontem, tomei posse como membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros em sessão presidida por Técio Lins e Silva e Cândido de Oliveira Bisneto.  Fundada em 1843, o IAB é a mais antiga associação de advogados do país.  Para ser efetivado no IAB é preciso o reconhecimento da sua contribuição pessoal para as letras do Direito.  

Coincidentemente, o boletim também de ontem do Observatório do Cooperativismo da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto/USP divulgou um de meus artigos pelos quais estou sendo reconhecido pelo IAB.


Na sua Comissão de Filosofia, o IAB espera que os meus estudos do pensamento fenomenológico e hermenêutico contemporâneo culminem na exposição do direito de cooperação e à autogestão como direitos humanos.



quarta-feira, 4 de junho de 2014

Ser satânico e o Estado laico



Se levamos alguém realmente a sério, quando falamos de nossa própria liberdade, dizemos necessariamente de nossa responsabilidade no acolhimento, na inclusão e na hospitalidade.

Em que medida uma performance a que se atribui o nome Xereca Satânica é uma irresponsabilidade para com a fé alheia?  Não se pode antecipar uma resposta sem que façamos uma reflexão sobre a adequação do nome à proposta da performance.  Por isso mesmo, tampouco se pode dizer que a liberdade de manifestação está legitimada simplesmente porque se empresta à performance um estatuto de arte ou cultura.  Se não é caso de censura prévia, pode ser caso de censura como uma crítica severa e até mesmo como uso legitimado da força na responsabilização e em defesa da dignidade de tradições religiosas. 

Se pensamos em uso legitimado da força num contexto civilizatório, já estamos nos remetendo à ação do Estado.  E se pensamos na ação do Estado em defesa de religiões no presente contexto civilizatório, precisamos pensar no caráter laico do Estado democrático.

Aqui é necessário um comentário.  O que é religião?  Desde que homens se perceberam diante de si, do mundo e dos outros, perceberam o além, se perceberam existentes desintegrados do além e intuíram uma reintegração mais que possível, porque plena com o além  E se é mais que possível, intuíram que alguém antes já seja plenamente integrado no além.  Uma manifestação religiosa, qualquer uma, propõe a reintegração existencial com quem é além plenamente - um sim à divindade.

O que é satânico, é uma manifestação religiosa?  Sim e não.  No judaísmo, cristianismo e islamismo, o que é satânico impede essa reintegração existencial.  Satã é quem existe para dividir e manter existencialmente separada a humanidade da divindade.

Satanismo não pode ser uma religião, pois a variação imaginária das religiões tem um limite: a destruição de si mesma como objeto de pensamento.  Isso não quer dizer que alguma divindade possa ser identificada com alguma representação diabólica.  Mas, quando isso acontece, já não é satanismo.  Vem a ser uma manifestação sincrética entre uma religião abrâmica e outra pagã. 

Como uma manifestação sincrética no ateísmo já é uma contradição em termos, uma manifestação cultural ateia que se serve de uma expressão satânica para se afirmar como tal, já flerta com a injúria a cristãos, judeus e muçulmanos.

Num caso, a performance chamada Xereca Satânica foi proposta como uma denúncia a uma onda de estupros em uma determinada cidade.  Porém, em nenhum momento se supôs com qualquer fundamento que os estupros ali sejam decorrentes de uma ação de cristãos, judeus ou muçulmanos como atos moralmente justificados, seja como retribuição, seja como submissão de gênero.  Então, é bem possível que os autores da performance estejam usando os estupros como pretexto para um rude menosprezo manifesto ao cristianismo, judaísmo e islamismo pela crença em comum na existência de Satã.  No mínimo, uma tremenda insensibilidade egoísta com quem nada tem a ver com o pato, mas frequenta sinagoga, igreja ou mesquita.

Então, retorno ao caráter laico do Estado democrático de direito.

O Estado laico não é neutro ou imparcial com relação às religiões. Isso é Estado praticamente ateu. Um ateu não é necessariamente hostil, mas trata as religiões com alguma indiferença.

O que é neutro, não tem valor em si. 2+2 é neutro.  Amor não é indiferente.  Faz toda diferença.  Por isso, o Estado é laico, quando é inclusivo com relação às religiões.  Mas, também permanece laico, quando trata cada religião como única em sua singularidade.  Trata-se de uma hospitalidade no espaço público para com cada pessoa religiosa.

Religiões simplesmente não se equivalem para serem tratadas como gatos num só saco sob a desculpa de laicidade. É difícil, pois a singularidade de cada religião exige que o Estado esteja poroso e integrado às religiões e ainda preserve a opção de alguém ser ateu. É um desafio permanente, mas em cada tradição religiosa o Estado laico pode reconhecer aquilo que está identificado com suas próprias valorações dirigidas para o bem comum.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Carta de agradecimento à professora de meu filho



Prof. Carmem, bom dia!

Sou pai do Bernardo.  E quero dedicar-lhe algumas palavras.

Quando Platão figurou Sócrates tomando veneno na democracia, deu um sentido:  a idiotice é democrática.   Em que pese esse problema, a democracia se eternizou.  É porque a sabedoria pode sobreviver na democracia no seu fundamento de coexistência das diferenças.

Ser humano é ser histórico.   Prefiro pensar nisso em ser situado.  Em sendo situados, somos especialistas em nossas próprias razões.  Há ainda um dispositivo psíquico, a autocomplacência.  Tendemos a criticar mais os outros do que a nós mesmos.  Não somos tão aptos em compreender as razões dos outros, como em privilegiar as nossas.  É este um problema ético fundamental. O mal se insinua por entre quaisquer razões. 

Ser pai de vários filhos e assim ter intimidade com pessoas diferentes me ensinou muita coisa.  Tenho uma filha com grande aptidão para a aprendizagem escolar.  De mãos dadas com essa aptidão,   está sua aguda ciência de suas próprias razões.  O Bernardo não tem essa mesma aptidão dela, mas se notabiliza entre os filhos pela sua generosidade.  Na minha relação com a minha filha, ela ou se esquece dos outros ou deseja exclusividade.  Mas, na minha relação com o Bernardo, ele sempre busca incluir alguém mais.  Prof. Carmem, então eu lhe pergunto: qual criança tem uma consciência mais valiosa?  É uma pergunta difícil e as situações encontradas são muito importantes para uma resposta adequada.

Considero o CPII uma escola adequada para o Bernardo.  É uma criança com carisma para vivenciar um ambiente de ampla diversidade.  Por outro lado, tem uma clara necessidade em não ter interrompido o seu processo pedagógico.  Estou enganado?

Bem, quero menos questionar as razões pelas quais professores do CPII insistem tanto em viver aquele clima tão bem retratado em Hair,  nas inesquecíveis imagens de Milos Forman, com a multidão correndo em direção à Casa Branca com faixas, cartazes e cantando Deixe a luz do sol entrar.

Quero mais lembrar o dilema que é também mostrado no musical, quando uma mãe com uma criança procura um daqueles, pai de seu filho, e lhe pede a volta para  casa.  Ele as rejeita e ela, ressentida, canta:

How can people have no feelings?
How can they ignore their friends?
Easy to be proud.
Easy to say no.
And especially people
Who care about strangers
Who care about evil
And social injustice
Do you only
Care about the bleeding crowd?
How about a needing friend?
I need a friend.
 Enfim, Profa. Carmem, o que quero é manifestar minha profunda gratidão por ter pensado primeiro em meu filho diante do dilema vivido no CPII.  Por, diante do dilema, como professora, preferir devotar-se à sua missão como amizade por ele.  Saiba que não passa um dia das últimas semanas sem que lembre da grandeza de seu gesto.


Muito obrigado!