domingo, 20 de outubro de 2013

Cariocas insensatos e os Capitães do Rio

Nestes tempos em que se reivindica com quatro pedras na mão direitos para algum cachorrinho, é legal nos lembrarmos do abismo que separa a humanidade da animalidade: a vivência de si mesmo como outro.  É esta vivência o fundamento (e não outro) da sabedoria possível.

Ferreira Gullar se tornou sábio.  Ele nos conta que, jovem, ele e seus amigos lidavam qual respiração com aquelas pequenas liberdades cotidianas como ir ali sem pedir licença prévia a ninguém; conversar despreocupadamente sobre quaisquer assuntos com um amigo na esquina; trabalhar e voltar para casa todo santo dia. Simplesmente não pensavam nelas.  Até as desprezavam como direitos burgueses: muito pouco ante as aspirações de igualdade e fraternidade das utopias.   Mas, quando até isso foi sufocado, ele e seus amigos perceberam o quão esse pouco era muito que fazia falta para todo mundo.  "Fomos imprudentes."

Da guerra suja, as vítimas não foram só os mortos e torturados por convicções políticas, que somaram poucos milhares.  Desastre maior se deu na articulação da violência política com a violência das ruas do Rio.  De um lado, a formação do Comando Vermelho no presídio da Ilha Grande e, de outro, a aquisição de pontos do bicho por torturadores e, ato contínuo, o patronato em escolas de samba.  A Anistia em 79 pacificou a política.  Mas, e as ruas?

O preço da insensatez foi sendo vomitado décadas depois sobre uma cidade até que ela se quedou refém de bárbaros adolescentes portando fuzis em quadras de escolas ao som de pagodes e funks proibidões.  Neste contexto de saturação da violência, no imaginário popular, nossos (anti)heróis foram sempre capitães:  Guimarães e Nascimento.


A imprudência acontece, quando pensamos só em nós mesmos, até quando dizemos do outro.

E, novamente, no esquecimento da sabedoria, corremos o risco da insensatez política no Rio de Janeiro.

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