terça-feira, 24 de maio de 2022

Pensando & Conhecendo LXVII

 

O mito de Teseu marca a transição do grego arcaico para o clássico.  Historicamente, houve um deslocamento geográfico da hegemonia cultural: da ilha de Creta  para o Peloponeso.  Esta transição é singular, porque com ela houve um deslizamento da linguagem mítica para a filosófica.  A Europa acontece. 

No mito, Teseu se voluntaria para o tributo de terror pelo qual jovens gregos deveriam se perder no labirinto do Minotauro.  Ele se propõe a matar o Minotauro e com isso dar fim ao tributo, ainda que admitisse: missão suicida.  Teseu é um herói clássico.   Aconteceu que Ariadne se apaixonasse por Teseu. Para que ele não permanecesse no labirinto para sempre, entrega-lhe um novelo com o qual poderia entrar e sair do labirinto. Aí, o Minotauro.  O fio é caminho.  Em grego, odo.  Falar sobre esse fio? Método.  

 O labirinto é a existência em que ser brinca de esconde-esconde; em cada acontecimento que se mostra, algo aí já se esconde também: fenômeno e horizonte de indistinção.  Todo mito institui alguma dobra do labirinto.  Em cada dobra, a filosofia pode  encontrar o fio pelo qual se entra e se sai do labirinto: a filosofia não é saber, mas se interessa sobre saber.  A ciência segue o fio.  Mas, cuidado!  Um foco obsessivo no fio tira o olho do labirinto.  A ciência se degenera nalgum relativismo.  O fio só faz sentido nas dobras da existência, não as pode desdobrar; dobra com ela.  Este sentido é entregue pela filosofia, pois se ela encontra o fio no labirinto, é porque nela, acontece e se mostra a dobra. 






Pensando & Conhecendo XLVI

Há 100 anos, a primeira aplicação de insulina numa enfermaria com crianças desenganadas foi espantosa: a dramaticidade da narrativa fez refulgir a semelhança genealógica do Homem a Deus – em poucas situações outras uma descoberta científica pôde ser comparável a um milagre.  Tanto que já no ano seguinte, Frederick Banting e John Macleod - os responsáveis pelos experimentos com a insulina foram agraciados com o Prêmio Nobel em Medicina.  Por iniciativa própria, eles dividiram o prêmio com Charles Best, um estudante e James Collip, químico. Esse dado aponta para uma concepção compartilhada entre eles, mas que começou com Claude Bernard décadas antes; culminando no evento tão notável.   O acontecimento dessa concepção ultrapassa os estritos liames do diabetes, pois fertilizou visões de mundo no séc. XX até seu impacto pelo viés epistêmico no atual estado das artes do Direito Penal Econômico.    

Desde a ciência moderna, particularmente a partir de Pasteur,  o conceito de anomalia oscilou entre presença de um ente patogênico (pressuposto ontológico) e um desequilíbrio  ou disfunção patológica (pressuposto sistêmico).   Do estudo da diabetes emergiu no imaginário que estes dois pressupostos não sejam excludentes, mas radicalmente coexistentes no mundo da vida.   A coexistência se presta a ampliar pela transversalidade o espectro de hipóteses a serem consideradas com métodos diferentes na clínica e terapêutica.  Em todo caso, permanece a sombra de Francis Bacon: somos condenados a distinguir entre os melhores e os piores raciocínios indutivos sem que se tenha necessariamente um postulado axiomático a fundar; um a priori que nos livre de quaisquer dúvidas quanto ao que seja certo ou errado num contexto.  A restauração do normal em toda situação não será sempre redutível a uma certeza normativa já instituída.  Há a possibilidade de uma descoberta por fazer circular a normatividade e a normalidade.