sábado, 18 de janeiro de 2020

O carro de Jagrená por entre palácios de cristal


http://baidc.revistas.deusto.es/article/view/1591/2062


Um exercício hermenêutico da gestão democrática de uma cooperativa. Uma esquizoanálise desse princípio de sua identidade. Esta análise específica é realizada com a correlação entre a segurança ontológica, por Anthony Giddens e o ressentimento, como narrado por Fiódor Dostoiévski.  Com o socorro de Jean Baudrillard, Gilles Lipovetski e Isaiah Berlin.  Para acessar, clique no link acima ou abaixo da foto.




http://baidc.revistas.deusto.es/article/view/1591/2062

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Mártir Sebastião, roga por nós


Que o próximo carnaval seja tão memorável quanto o de 1976.  Lembra?  Nunca mais o carioca deixou de cantar que o sertanejo é forte e supera a miséria sem fim.  Pois foi, Em Cima da Hora!  E aprendeu com o Império Serrano todos os nomes das rainhas do mar:  Oguntê, Marabô, Caiala e Sobá.  Oloxum, Ynaê, Janaina e Iemanjá.  Também você assistiu da Mãe Menininha do Gantois, toda cidade cantando em louvor com a Mocidade.  Mas, quem ganhou foi a Beija Flor.  Pela primeira vez. Está recordado? Com um samba meio chinfrim, é verdade.  Mas, ah, foi o campeonato de Joãozinho Trinta.  Além de alegre e criativo, o carioca descobriu então que, diante do mundo inteiro, consegue resplandecer mesmo sendo pobre. 

Por que lhe peço isso?  Você sabe.  Nenhum projeto de poder justifica um prefeito que procede como se não gostasse da cidade que governa.  Não me parece ser isso inspiração do Divino Espírito Santo.  Eu sei que qualquer alcaide pode dar com os burros n’água.  As dificuldades podem ser muitas e inesperadas.  Mas, o burgomestre que guarde as chaves de uma cidade pelo menos precisa amá-la como se fosse sagrada.  Devo estar enganado; não sei ao certo o que arde no coração dos mortais.  Mas, pelo visto, temos um que despreza a alma encantadora de nossas ruas.  Sempre que pode, se afasta das ondas de nossas praias como um pobre diabo fugindo da cruz.  Ave, Maria! Padroeiro, perdoe-me este voto.  Mesmo sangrando, interceda junto ao Pai para que nos seja afastado esse cálice de fel.  Muda ele, ou muda o prefeito!

Que os foliões da minha querida Portela entrem na avenida com se fosse o desfile último.  Incorporem as pastoras e os pastores que vão chegando da cidade e da favela para defenderem as suas cores como fiéis na santa missa da capela.  Que este carnaval seja alegre, amável, solar e pacífico como nenhum outro.  Inspiração para o exercício de nossa cidadania em 2020.



Amém.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A liberdade de expressão e o respeito ao próximo

Amanhecemos hoje com mais uma polêmica.  Um desembargador do Rio de Janeiro determinou restrição na disponibilidade do Especial de Natal do ano passado produzido pela Porta dos Fundos.  

A liberdade de expressão é uma garantia absoluta do Estado Democrático de Direito?

Permita-me ponderar preliminarmente que houve, na produção, vilipêndio a objeto de culto. Não ocorreu ele ao encenarem uma versão heterodoxa da tentação de Cristo no deserto (trata-se de um dogma cristológico) nem na insinuação de uma personalidade rodriguiana em Maria (ela é venerada, não cultuada). Mas, quando o Pai, apresentado como tal, se esfregou em Maria para matar saudade, aí se vilipendiou a concepção de Deus, que é justamente o objeto de culto entre cristãos no Natal. Tivesse sido um centurião romano se esfregando, ou mesmo o ente sobrenatural concupiscente junto a Maria se apresentado como Zeus ou outra divindade mítica, o vilipêndio não estaria configurado. Tivessem tido o cuidado de buscar assessoria de um teólogo, como se busca de médicos ou juristas quando o roteiro aborda sutilezas em temas afins, não teriam incluído a cena ou a teriam modificado. Só que não. Estavam preocupados demais em incomodar, ofender mesmo, supostos cristãos que creem responsáveis pela eleição de Bolsonaro. Afinal, até virou moda ateu no Facebook dar lição de cristianismo a cristãos. A meu ver, houve prática de crime no exercício abusivo da dramaturgia. Com esta consideração, afirmo estar em jogo, no caso, se a liberdade de expressão pode justificar leniência a prática criminosa.  Mas, isso não é uma questão fácil, pois o limite aqui é tênue.

Primeiro, a proscrição da apologia ao nazismo é uma evidência incontroversa de que a liberdade de expressão não é absoluta, porque a censura ao uso apologético da suástica não é um atentado à Democracia.  Ao contrário, a censura, aqui, é uma defesa dela.  Mas, um outro exemplo de proscrição torna a questão mais difícil: a apologia às drogas, quando a expressão artística alude ao uso recreativo da maconha.  

Então, uma decisão entre censura e a proscrição legítima não é fixa.  Ela é necessariamente circunstancial.

Recorrerei agora ao método de caso.  Pornografia e pedofilia.  Recorro a este caso, porque a pornografia é o paradigma jurisprudencial da prevalência da liberdade de expressão sobre o juízo de mau gosto.   Mas, isso não torna a pedofilia imune a uma censura feroz nas atuais circunstâncias.  Digo circunstância, porque as pessoas da minha idade se lembrarão do filme Pretty Baby, protagonizado por Brooke Shields  logo após seu grande sucesso em Lagoa Azul.  

O roteiro da Baby aborda (sem qualquer crítica social e ainda adota uma estética que enfatiza a beleza visual) uma relação erotizada entre uma adolescente prostituída e um fotógrafo.  Taí um filme que Hollywood não cogitaria produzir hoje em dia.  Não com a abordagem e estética usadas naquele filme.  Este exemplo ilustra como  a pedofilia foi se tornando um tabu sexual.  A antropologia indica que nenhuma sociedade se institui sem passar por tabus de ordem sexual.  Nas sociedades democráticas contemporâneas, a cristalização da autonomia do ego transitou a legitimação de práticas sexuais da sua função reprodutiva para o consentimento consciente.  Daí, a migração do tabu da homossexualidade para a pedofilia.

Mas, o que isso tem a ver com uma tolerância ao vilipêndio de objeto de culto cristão em prestígio à liberdade de expressão garantida com a proibição à censura?   Aí, entra em causa a sensibilidade seletiva de muitos que hoje estão criticando a decisão judicial face ao Especial de Natal, quando o vilipêndio é praticado contra objetos de culto de matriz africana.  Esta seletividade circunstancial tem a ver diretamente com a ênfase com que se tem conceituado o Direito a partir da tríade preto-bixa-favelado.  É claro que sensibilidade para com as questões de ordem racial e de gênero e a desigualdade social tem sido benéfica para o bem estar social.  E ainda há, sem dúvida, muito por fazer quanto a essas questões.  Porém, convém aqui lembrar o sentido dado por Nietzsche à decadência.  Para ele, mais do mesmo sempre é decadente.  Não aludia ele à degeneração, corrupção.  Não.  O sentido é outro.  Ele percebeu que conceitos, quando empregados reiteradamente na leitura do real, sempre são redutores das possibilidades de pensamento e compreensão do existente.   

Até que ponto iremos tolerar o solapamento circunstancial de nossas tradições cristãs?  Para responder, recorrerei outra vez ao método de caso.  Este ano, me perguntaram o que achava do feriado no dia da consciência negra.  Eu respondi: uma bela homenagem aos meus antepassados.  Ante o olhar estupefato de meu interlocutor à minha branquitude, expliquei.   Não consigo achar uma palavra sintetize melhor o núcleo da cultura de matriz européia do que consciência.  Acreditar que exista uma consciência negra só é possível pela emergência do humanismo, que é uma concepção tipicamente europeia, amplamente baseada na máxima cristã caritas omnia vincit.  Ou seja, o amor do Deus de Abraão à humanidade é absoluto.  Portanto, supera qualquer barreira de raça e gênero.  Essa ideia de amor cristão inspirou o conceito de dignidade como valor-fonte do Estado Democrático de Direito.  E, por fim, a crença na existência de uma consciência negra foi difundida no ambiente universitário e dele transbordou. Bem, as universidades são uma milenar criação europeia a partir de iniciativas da Igreja Católica Romana.  

Quero com isso dizer que talvez esteja na hora da gente ter mais respeito para com esta importante raiz de nossa identidade cultural.