quarta-feira, 12 de junho de 2019


Ética para tempos de muita certeza

 Estou ficando velho... cada vez mais apreciando o trabalho de Clint Eastwood.


Esta é a cena em que seu personagem, um irlandês católico praticante e sexista, após se confessar com um padre, vai praticar a eutanásia em sua pupila, a Menina de Ouro, a quem canalizava sua afetividade por ter relações rompidas com sua filha.

Esta tomada dura uns 5 segundos no mais absoluto silêncio.

 Clint não construiu o drama a partir de uma abordagem psicológica.  Mas, teológica.  Muito sutil.  Ao longo do filme, ele salpica de cenas em que o personagem "atormenta" o padre com perguntas sobre dogmas especialmente difíceis de serem demonstrados: a Santíssima Trindade e a Imaculada Conceição.  Isso aponta que o personagem tinha consciência das implicações de seu ato sob a perspectiva salvífica que não nega; sequer questiona. Ao se confessar antes da eutanásia, já sabia que o padre não poderia lhe absolver.

Clint constrói a narrativa a partir da crucificação, em particular o desafio hermenêutico das passagens sinóticas "Eloi, Eloi, lamá sabactani?” (Marcos 15: 34) e“Eli, Eli, lemá sabactani” (Mateus 27: 46). Em português: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” 

Bento XVI enfrentou este desafio no seu magistério:
Essa oração de Jesus nunca cessou de estimular os cristãos a questionarem-se e refletirem:  como podia o Filho de Deus ser abandonado por Deus?  Que significa esse brado? (....) Seja como for, só a comunidade crente entendeu a exclamação de Jesus (....) como o início do salmo 22 e, com base nisso, pôde entendê-lo como brado verdadeiramente messiânico.  Não se trata de um brado qualquer de abandono.  Jesus recita o grande Salmo de Israel sofredor e, deste modo, assume em Si todo o tormento não só de Israel, mas de todos os homens que sofrem neste mundo pela ocultação de Deus.  Ele leva perante o coração do próprio Deus o brado de angústia do mundo atormentado pela ausência de Deus.  Identifica-se com o Israel sofredor, com a humanidade que sofre por causa da ´obscuridade´ de Deus, assume em Si o seu brado, o seu tormento, toda a sua necessidade de ajuda e, ao mesmo tempo, desse modo o transforma.  (....) Pronunciando Jesus as palavras iniciais do Salmo, em última análise, já está presente o conjunto dessa magnífica oração (....).  O brado no tormento extremo é simultaneamente certeza da resposta divina, certeza da salvação não só para o próprio Jesus, mas para muitos.  (....) Encontramo-nos sempre de novo no hoje abissal do sofrimento (...).  Numa tal perspectiva, nada do horror da Paixão de Jesus é cancelado; pelo contrário, aumenta, porque não é só individual, mas traz em si realmente a tribulação de todos nós.  Ao mesmo tempo, porém, o sofrimento de Jesus é uma paixão messiânica: um sofrer em comunhão conosco, por nós; um estar com que deriva do amor e assim já traz em si a redenção, a vitória do amor.
Voltando ao filme: o personagem de Clint, ao assumir conscientemente um pecado  mortal sem absolvição, atraiu para si mesmo todo sofrimento indizível da Menina de Ouro.  Um  feminicídio com significado ético.   O arco hermenêutico é tensionado na narrativa, pois logrou ligar sincronicamente um conceito (no caso, a eutanásia ou o feminicídio) ao dado empírico e ao  noema (o dado vivenciado).

A maestria de Clint Eastwood na construção da narrativa cinematográfica evoca pela Menina de Ouro a expressão grega para felicidade: eudaimonia.  O radical daimon (δαίμων) é o mesmo de demônio (dæmon).  Felicidade é um demônio bom.  Na estória de Aladim, onde está a felicidade?  Na lâmpada.  E quando você a esfrega, muito cuidado com o que não só deseja, mas também com o que diz.  Porque a felicidade pode voltar-se contra você.  Sabedoria antiga.

O que tudo isso significa nos tempos de hoje?


Quando a gente acredita sem sombra que está do lado certo da história, está a um passo do abismo.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

VIII Caminhada com Maria rumo ao Redentor.



Relembrando os 40 dias em que Deus caminhou entre nós com Seu corpo glorioso, concluí a VIII Caminhada com Maria rumo ao Redentor com a Congregação Mariana do Hospital Colônia de Curupaiti. 
Saindo da Igreja da Ressurreição no Arpoador, como que seguindo os passos dos discípulos de Emaús, fui encontrando o Cristo eucarístico pelo caminho em Ipanema, Fonte da Saudade, Botafogo, Laranjeiras, Cosme Velho até chegar ao Santuáriio do Cristo Redentor do Corcovado que evoca a ascensão de Cristo ao céu, evento que celebramos hoje com especial devoção mariana. Durante toda caminhada, Cristo conversou por meio do Santo Rosário. 
Especial agradecimento à Ordem Franciscana do convento de Santo Antônio da Carioca pela celebração da Santa Missa na capela aos pés do Redentor no final da caminhada. Especial também pela solenidade de entrega das fitas a 3 novas congregadas marianas, jovens que agora prometem a continuidade da congegação nas próximas décadas. 
Tudo fiz na intenção da Santa Igreja, em especial do Papa Francisco, da Opus Dei, da arquidiocese do Rio de Janeiro, e de nossa cidade que tanto anda precisando da inventiva do Espírito Santo. E de nosso país. Num tempo em que quase ninguém quer dialogar e praticamente todo mundo jura que tem razão sobre quase tudo, um dia inteiro dedicado a uma andança contemplativa e orações silenciosas é o que melhor pude dar de mim hoje para que sejamos todos dignos da misericórdia do Cordeiro de Deus.