terça-feira, 20 de março de 2018

Cultura da cooperação concorrencialmente sustentável



Tive a honra de participar de mais este projeto editorial, no qual coube-me a honrosa tarefa de abordar a promoção da cultura da cooperação concorrencialmente sustentável em cooperativas inseridas em contextos oligolísticos.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Filhos, árvores e livros: o melhor de nós mesmos


Foi com prazer que participei desse projeto editorial lançado no mercado.  Coube-me a honrosa tarefa de redigir um texto de propedêutica principiológica e axiológica para o Direito Tributário.



Era madrugada quando o policial encontrou um bêbado engatinhando ao pé do poste.  Parou para observar a cena.  Depois de um tempo, um pouco por curiosidade, mais por dever de profissão, perguntou ao ébrio o que era aquilo ali.  “Estou procurando as minhas chaves. Perdi na alameda”.  Agora, sim, o guarda ficou interessado.  “Mas, e por que você está procurando elas aí, e não lá?”. E o bêbado: “Porque aqui é onde tem luz.”
Esta é uma anedota prenhe de humor judaico, este que costuma recorrer à ironia, à associação entre o Éden e o divã e a explorar o quão tênue é o limite entre o lógico e o absurdo[1].  Foi contado também por David Mamet, em Teatro.[2]  Trata-se de uma metáfora da condição humana.  Tanto o policial como o bêbado e a própria cena dizem de cada um de nós.  Num estado de sofrimento e angústia existencial, estamos na alameda escura.  Somos o bêbado que lá perde as chaves de casa – o Heimat, isto é, perdida uma unidade plena entre o sentir-se bem e o sentido de presença (talvez uma nostalgia do útero materno?) sem o qual sentimo-nos estrangeiros[3] da perspectiva de nossa própria visão de mundo (Weltschauung).  Mas, somos atraídos para a lucidez junto ao poste – a razão, porque simplesmente nos é insuportável viver vagando pela alameda escura, quando já estamos sem as chaves de casa.  Lá encontramos o policial - nossas certezas ordeiras -  nossa própria recusa em  procurar pelas chaves na escuridão da alameda – alguém que nós mesmos, ébrios, tomamos por íntegro e prestativo a nos ajudar com as chaves, para o qual portanto nos apressamos a dar explicações que julgamos convincentes e talvez sinceras.  David Mamet lembra que, sendo nós partícipes de uma democracia, não apenas nos importamos com as causas (quaisquer que sejam), mas nos apreciamos dizendo que nos importamos com essas causas.  Sobretudo por esta causa, valorizamos nosso direito de nos importar. 
O autor de Sucesso a qualquer preço postula que todo drama se enreda em alguma convicção do protagonista que vai sendo despedaçada pela trama.  Uma situação avaliada erroneamente ou visada de algum modo distorcido, o que o protagonista irá descobrir, ou já tendo descoberto desde o início, ele sente precisar encoberta até o fim.  Quando a mimese se esgota, o drama acaba[4]:
No bom drama descobrimos que a liberdade pode estar mais além e ser alcançada por meio do questionamento doloroso daquilo que antes era visto como inquestionável. (....)
É possível existir espetáculo politicamente correto, mas é impossível existir drama politicamente correto.  O próprio termo deveria causar repulsa em qualquer um que valorize a democracia e esta que é a mais democrática das artes, o teatro. 

Ora, então, o dramaturgo não está a dizer apenas do teatro, embora fosse esse o seu propósito no texto.  O texto diz também, ainda que indiretamente, do Direito.  Enquanto o teatro nos convida a voltar prazerosamente (porque acompanhando o enredamento do protagonista) para a alameda escura, o Direito nos convoca a examinar mais detidamente a relação entre o policial e o ébrio sob o poste, falando eles a respeito das chaves.  Mas, é muito importante ressaltar - e isso diz muito da Democracia: as chaves estão perdidas e não será junto ao poste que serão encontradas!


[1] Conferir SCLIAR, Moacyr; FINZI, Patricia; TOKER, Eliahy.  Humor Judaico.  4ª Ed.  São Paulo : Shalom/ Paulinas, 1990.
[2] Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2014.  p. 35.
[3]          Ele disse-me: - Entraremos no fundo da questão.
            Sentou-se na cama e explicou-me que tinham andado a investigar a minha vida privada.  Tinham descoberto que a minha mãe morrera recentemente no asilo.  Procedera-se então a um inquérito em Marengo.  Os investigadores tinham sabido que eu “dera provas de insensibilidade” no dia do enterro.  – Veja se compreende – disse o advogado – custa-me um bocado perguntar-lhe isto.  Mas é muito importante.  E será um grande argumento para a acusação, se eu não conseguir dar resposta.  – Queria que eu o ajudasse.  Perguntou-me se eu, nesse dia, tinha tido pena da minha mãe.  Esta pergunta me espantou e parecia-me que não era capaz a fazer a alguém. Não obstante, respondi que perdera um pouco o hábito de me interrogar a mim mesmo e que era difícil dar-lhe uma resposta.  É claro que gostava da minha mãe, mas isso não queria dizer nada.  Todos os seres saudáveis tinham, em certas ocasiões, desejado, mais ou menos, a morte das pessoas que amavam.  Aqui, o advogado cortou-me a palavra e mostrou-se muito agitado.  Obrigou-me a prometer que não diria isto na audiência, nem ao juiz de instrução (....)  Fiz-lhe notar que essa história não tinha nenhuma relação com o meu caso, mas ele respondeu-me que se via bem que eu não conhecia a justiça de perto.  (CAMUS, Albert.  O estrangeiro.  Trad. Antônio Quadros.  São Paulo : Abril, 1972.  Pp. 85-86)
[4] MAMET.  Ob cit. p. 81