sexta-feira, 25 de julho de 2014

Selecionado para o III Encontro Brasileiro de Pesquisadores em Cooperativismo











O artigo Cooperação como valor de identidade universal das cooperativas: Uma abordagem teológica foi selecionado para o III EBPC.  

Para esse Encontro, o eixo temático escolhido é o Cooperativismo como Modelo de Negócios: as cooperativas conquistam desenvolvimento sustentável para todos.  O artigo selecionado aceitou o tema como um desafio.  Eis o seu roteiro:

  • A Hermenêutica entre a argumentação e a narrativa
  • Uma Teoria da Argumentação na hermenêutica da ordem econômica  e um argumento hermenêutico a partir da primeira teoria
  • Um problema na expressão forma cooperativa de negócio que é encontrada no Blueprint da Aliança Cooperativa Internacional
  • Fundamentos teológicos para uma resposta possível ao problema na expressão forma cooperativa de negócio  

O artigo se propõe a demonstrar que a materialização da cooperação na ordem econômica remete a uma devoção de vida e a uma vocação, ambas dirigidas ao proveito comum como consumação de uma promessa.  E não somente como resultado das relações entre vantagens e ônus, incentivos e sanções disciplinares, custos e margens.  Mas, é muito importante ressalvar: ambos os sentidos não são excludentes.  Ao contrário, são integrados na ordem econômica constitucional.

Ao vincular a cooperativa não só à inteligência (razão), mas ao amor, o Papa Bento XVI, escrevia sobre verdade. Considerando o significado das Encíclicas sobre fé, esperança e amor, escritas entre 2005 e 2013, em evidente referência à primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, o Papa Bento XVI afirmara no magistério teológico, o que o Papa Francisco confirmou agora em seu apostolado:  existe um nexo axiológico essencial entre a cooperação e a misericórdia e isso também se manifesta na ordem econômica constitucional.



  

terça-feira, 22 de julho de 2014

Cidade e cidadania, signos e significados democráticos

Há um tempo  se meteu uma idéia na minha cabeça.  Era uma maneira diferente de devoção mariana, que envolvia o Cristo Redentor lá no Corcovado.  Dediquei muita sola de sapato até obter o consentimento institucional da Igreja Católica para colocar em prática o que imaginei. 
E, na prática, não saiu como imaginado.  Tive uma vivência que não supus.  Algo que até sabia possível... em teoria de ler teologia.  Mas, não era o que me propunha realizar.   Equívoco meu.
Nada de grandiloqüente aconteceu. Mas, o extraordinário se deu eloqüente.  Uma vivência da graça  na dinâmica e potência em simplesmente agir com Maria para a Eucaristia.  Algo que, em memória, é assim:  lá pelas tantas as coisas já não saíam como imaginara, tinha de improvisar e precisei de ajuda de uma pessoa estranha na rua.  Eu o abordei e contei-lhe o que estava fazendo, o propósito disso e pedi a ajuda que precisava para ir ao Cristo no Corcovado.  Olhou-me, um marciano: eu, não ele, era o estranho.  Ele se virou para um conhecido dele ali próximo:  "Eu não entendi nada do que esse cara aqui falou, mas é importante. Vem cá!"  Ambos me ajudaram e assim foi com todo mundo com quem cruzei até que o corpo de Cristo se fez presente. Estava abismado: "Como isso foi acontecer assim?!" Desde então, venho experimentando dessa devoção uma vez por ano.  Como até hoje não encontrei qualquer explicação para essas conspirações que acontecem, uso uma expressão poética para dizê-las:  é o véu de Maria que me faz caminhar ao encontro do Cristo no Corcovado
Conto isso, porque nestes últimos dias, deu-se muita repercussão a reações indignadas contra a Arquidiocese do Rio de Janeiro por ela ter desautorizado a imagem do Cristo Redentor num filme.  O fato já foi superado e a posição da Cúria sobre a peça, revista.  Mas, ainda vale a pena pensar essas críticas feitas.  Em comum, todas as reações evocavam a liberdade de expressão e denunciavam um certo sentido de usurpação pelo clero de uma expressão cultural da cidade a exigir a tutela do Estado laico pelo bem da democracia.  Mas, todas também tinham em comum deixar de lado algo do Cristo no Corcovado.  Esse Cristo não é o cavalo do Osório na Praça XV.  Não é um só um monumento citadino, uma expressão mega e moderna de arte sacra ressignificada constantemente pelo imaginário na sua presença notável em muitos planos paisagísticos da urbe e assim reconhecível como patrimônio cultural coletivo da humanidade.  Tornou-se tudo isso, sim.  Mas, antes disso, já era e sempre foi um santuário consagrado à Nossa Senhora da Conceição Aparecida. E não deixou de ser.  
Num domingo de carnaval, com o Cordão do Boitatá na praça, sob a bunda do cavalo do Osório, assisti divertido a um simulacro bufo do sacramento de matrimônio. O amigo fantasiado de padre estava para lá de animado!  O que é a liberdade?! A encenação era foliã, mas os noivos estavam levando a sério a troca de votos que faziam ali. Uma paixão de carnaval que se transformava em promessa de amor.  Isso é cidade e cidadania.    Movimento e criação.
Mas, um sentido necessário de santuário não é nem movimento, nem criação.  É preservação vital.  No caso do Cristo no Corcovado, preservação da fé católica, que conspira pela bondade para a cidade até sob a sombra da bunda do cavalo do Osório numa manhã de carnaval. 
Cinema não é só liberdade de expressão.  É indústria cultural.  Como indústria, tem suas responsabilidades em preservar o que há de bom em torno de nós.   Talvez no futuro haveremos de discordar da Arquidiocese em uma decisão de veto. Compreendamos o papel autônomo dela na tomada de decisões sobre o Cristo Redentor no contexto do Estado laico. Há algo do Muro das Lamentações de Jerusalém no Cristo Redentor do Corcovado.  E vamos esperar que mesmo havendo vetos, não haja tanto a se lamentar assim, porque até agora a ninguém ocorreu de se explodir e explodir os outros em volta numa disputa em torno dele.
Fecha o pano.  Abre o pano.
Era vizinho do Palácio das Laranjeiras e ia diariamente ao meu estúdio no Largo de São Francisco de Paula.  Mesmo que não quisesse, muito de perto acompanhei tudo que aconteceu.  Os dias foram passando e vi entristecido muitas marcas de maldade nas ruas onde vivia.  Marcas de um modo de intimidação violenta que fazia muito tempo não se via na cidade.  E no Largo olhava de soslaio conspirações sintetizadas numa frase pichada no prédio onde trabalho: as idéias voltam a ser perigosas.
Mudei-me para algumas quadras do Maracanã e aí esperei a Copa.  E por mais violência nas ruas em que vivo.  Mas, desta vez, uma surpresa.  A polícia civil indiciou, o Ministério Público denunciou e o juiz criminal decidiu.  Ainda que sujeitas ao habeas corpus, as prisões ocorreram a tempo de desarticularem promessas de revolta, quando  há quem as queria expressas em paixões rancorosas.  Em que pesem mais reações indignadas pela liberdade de manifestação, embargaram um projeto de detonautas da cidade para o Maracanã. Doidos por um muro de lamentações sob as vistas do Cristo no Corcovado. 
Pode até ter sido pouca a justiça nas prisões.  Mas, este pouco, quando falta, faz muita falta.
O que uma estória tem a ver com a outra? A cidade, é claro.  Mas também as liberdades como espírito do tempo.  Espírito este estampado na capa de uma revista de celebridades que vi ontem no aeroporto do Galeão.  Uma denúncia de racismo.  Uma protagonista de novela da hora contava:  "Quando entro num restaurante, quem tem minha cor, ou está servindo, ou está limpando.  É o Brasil que diz ser esse o meu papel: servir e limpar."

Lembrei-me então de uma conversa.  Coisa de padre.  Assuntava querendo saber da minha vida.   E, proseando, suspirei naquele dia.  "Tenho sentido um sabor... de não ter gosto.  Quero muito me orgulhar do que faço de mim e por mais que procure, sempre acabo percebendo que o que fiz de melhor foi nas manhãs em que esfreguei panelas sujas do jantar de ontem. E não dá para ter orgulho disso, né?".    Naquele dia, ele, desses que andam de batina negra até hoje ainda que esteja o maior calor na cidade, abriu um sorriso raro e, olhando-me nos olhos, deu uma palmadinha no meu ombro.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Vida que segue


Ontem não é um dia para ser esquecido. Assistimos mais do que uma partida de futebol. Assistimos a morte de um mito. O mito da camisa canarinho. Não haverá mais crianças na Mongólia sonhando em vestir essa camisa.


Quando o impensável se mostra para todos num único acontecimento, um mito morre. Só morre com um choque de realidade a que damos sentido de aniquilação. Já tivemos duas eras Dunga, até esperávamos uma derrota, mas aquilo que todos nós assistimos?! Ninguém. Era o mito que morria.

Mas, a vida segue hoje. É sempre a mesma humanidade que sobrevive na passagem dos mitos. Mas também é outra humanidade. Pois, num choque de realidade, algo estava oculto sempre aparece em nós para nós. A vivência de si mesmo como outro.

Muito significativo que o mito morra diante de alemães. Carregamos essa idéia de que, diante de alemães, somos pobres de espírito. Como nós construímos nossos estádios? Como eles constróem estádios? Como jogamos e eles jogaram futebol. No deles, a mortalmente eficiente disciplina tática. Eles são de uma riqueza espiritual mítica. 

Hoje, o que estava oculto apareceu. Apareceu a bem aventurança de ser brasileiro. Alemães, como nós, também tiveram um uniforme mítico. O seu símbolo não era uma cor estampada na camisa. Era de ferro forjada em cruz negra. Não, não estou falando da suástica, apenas um símbolo ideológico. O mito é a cruz de ferro. Em sua riqueza, os alemães elegeram um outro campo como único digno de seu mito. Não como nós, o campo de futebol. Mas, o campo de batalha. 

Bem aventurados os brasileiros, porque seu mito morreu enquanto assistíamos televisão comendo pipoca. Eles tiveram seu choque de realidade amontoados em abrigos antibombas. Desde abril de 1945, ninguém mais sonha em ganhar uma cruz de ferro. Acordamos hoje temendo impotentes e aniquilados a gozação a sofrer dos nossos rivais, se a Argentina for campeã em pleno Maracanã. Os alemães acordaram no dia seguinte aos bombardeios aliados temendo uma onda de estupros, se o exército de ressentidos vindos do leste vencesse em sua cidade. 

Bem aventurado eu sou, porque hoje pela amanhã, cruzmaltino, pude sorrir, quando, vindo pelas ruelas do centro para a minha vida de trabalho que me aguarda, ouvi o troar de um riso desdentado: "E aí, quanto foi mesmo o jogo do Mengão ontem?" 

O lado bom da morte de um mito é este: nos tornamos quem somos.