terça-feira, 21 de abril de 2020

Pensando e Conhecendo I

Vivemos sob o signo da peste. Uma situação dramática. Como tal, é literária e também performática. Daí que uma narrativa sobre esta situação não seja só poesia, pois carrega uma preocupação cênica, de contexto material, seu suporte fático. Tal integração já leva a pensar constantemente nas questões que ligam o drama à vida, seja num contexto antropológico, seja no contexto do Direito. A abertura para o devir só acontece na medida em que se torna dizível na narrativa, de novo, essa integridade existencial do ser humano, que é eminentemente ética e estética, conquanto no hominídeo seja fisiológico e metabólico. Entre humanidade e o hominídeo, há o acontecimento histórico-social sobre o magma imaginário da morte como subsistência e persistência de ser como sentidos de saber viver.

Na agudeza de uma crise epidemiológica severa, não somente doamos o que nos sobra. Dividimos o que temos. Animados pelo espírito da cooperação, não precisamos temer o colapso econômico, porque conseguiremos reconstruir até mesmo o que estiver arrasado ao nível do solo.

Até porque cultivamos a esperança, não negligenciamos a vigilância. A política criminal é a mão forte que acompanha a mão amiga que coopera. Condutas abusivas agora demandam uma política criminal ainda mais eficiente. Os cartéis clássicos são criminalizados por ser indene de dúvida que sejam práticas ruinosas para a economia. Esta certeza traz o sentido de justiça no desvalor dessa conduta por si mesma. Mas, além do cartel, existem outras condutas que merecem neste momento medidas dissuasórias eloquentes, dada a fragilização da economia. O perigo ficou maior.

Nos últimos anos, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica vem avaliando que algumas práticas possam ser tão nocivas quanto o cartel. Por isso, integram com ele o conjunto de condutas ilícitas por objeto: os acordos verticais sobre preços mínimos ou fixos de revenda, ou que levam à proteção territorial entrópica (permanente e rígida), inclusive restrições em vendas passivas ou acordos de distribuição seletiva sem justificação objetiva, ou a proibição ou limitação de importações paralelas.

Diferentemente dos cartéis, que são acordos horizontais com os quais agentes econômicos concorrentes logram domínio artificial do mercado, estes acordos verticais pressupõem um agente que tenha conquistado licitamente este domínio, mas o emprega de maneira abusiva para que ele não seja colocado em xeque. E o faz manipulando a cadeia produtiva em que se insere, por meio da coação ou cooptação dos agentes a jusante ou a montante de sua posição de domínio. Esta manipulação são os acordos verticais com fornecedores de insumos e tecnologias ou com compradores ou revendedores.

Será oportuna a avaliação neste momento em que a economia padece com os duros dias de epidemia, se convém a criminalização desses acordos verticais abusivos como um perigo concreto a ser enquadrado no tipo que hoje somente alcança acordos entre concorrentes - os cartéis. Quiçá seja esta uma medida dissuasória bem vinda para mais pronto restabelecimento de nossos mercados agora enfermos.